O Fundão voltou a lembrar a sua força literária entre os dias 16 e 22 de Maio. Durante uma semana, o Festival Literário da Gardunha (FLG) reuniu escritores, editores e artistas numa viagem pelo conceito de fronteiras físicas e imaginárias. Nesta descoberta fizeram parte palestras, caminhadas poéticas, feiras do livro, momentos musicais e, claro, o convívio.
A herança poética de Eugénio de Andrade, nascido no Fundão, não passou despercebida nesta caminhada literária. A influência do autor português é revisitada com a obra “A Materna Casa da Poesia”, de Fernando Paulouro Neves – um livro divulgado pela organização do FLG -, que nos conta “os caminhos percorridos (…) na geografia sentimental da Beira”. E é caminhando que nos deparamos com os seus excertos literários gravados aos nossos pés. O chão recorda-nos a poética deste e de outros escritores, entre eles os autores residentes no festival: Afonso Cruz e Ana Margarida Carvalho.
Contudo, o objectivo do evento também é dar espaço para a afirmação de novos, futuros e antigos autores. Comprova-o a apresentação da revista literária “A Morte do Artista”. Um projecto composto por um colectivo de autores e artistas (Manuel Halpern, João Eduardo Ferreira, Firmino Bernardo, Fernanda Cunha e Carina Bernardo, Paulo Romão Brás) que lança inéditos de Mário de Carvalho, acompanhados por ensaios, contos e poemas. A nova edição não terá uma periodicidade obrigatória, fazendo questão de acontecer quando assim se sentir uma nova necessidade. No entanto, há intenções de continuidade e o número 1 já está disponível para venda online.
Sabemos que a Literatura é muito mais que textos escritos num papel. Por isso, sob o tema da viagem, continuamos a caminhada pela Serra da Gardunha até descobrirmos um dos miradouros mais característicos de Portugal. Aqui, a paisagem é o cruzamento entre as paisagens do Norte e do Sul – as fronteiras. A poesia parece florescer de maneira diferente neste refúgio com pausas para a contemplação.
Também na música houve espaço para homenagear a escrita e as leituras cantadas e encenadas. Cristina Branco e Mário Laginha interpretaram as músicas do autor Chico Buarque. Um momento de emoção para a cantora, que sempre quis realizar este projecto como reconhecimento do trabalho de um dos seus músicos predilectos. As mãos do pianista e a voz de Cristina Branco encheram a sala de actuações do Pavilhão Octógono num intervalo de tempo mais breve do que gostaríamos. Ainda no âmbito sonoro, ficámos a conhecer os Somersault. Um grupo composto por André Rito e Filipe Bastos, que recolhe sons do quotidiano e os une com momentos de spoken word. Para este contexto literário foram declamados excertos da obra de Jorge Flores e reveladas cassetes com poemas de Eugénio de Andrade – poemas declamados pelo próprio. Um momento íntimo de sensibilidade por parte dos multi-instrumentistas do projecto.
Entre conversas, experiências e reflexões dos convidados sobre a temática da viagem, caímos numa corrente sentimental e pessoal da vida dos autores. A acompanhar esta corrente esteve a exposição “Passaporte o coração. Passaporte el corazón”, um trabalho artístico de Miguel Elías, professor na Universidade de Salamanca, que tem como peça principal um inédito de A. P. Alencart, caligrafado num dos tecidos que percorrem o espaço d’A Moagem. É com tinta japonesa metalizada que é criado este encontro artístico e flutuante.
Um festival onde a literatura se realiza em cada possibilidade, através de um ambiente em que os cruzamentos são familiares e as surpresas sempre bem-vindas. A única viagem que ficou por fazer foi a do Prémio Camões, Luandino Vieira, que não pôde estar presente no evento por questões de saúde. Contudo, a organização do FLG, que agilizou facilmente a situação, espera receber o convidado numa futura edição do festival.
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