Após a publicação do fantástico “Paisagens da China e do Japão”, uma pérola que há muito se encontrava esgotada, a Livros de Bordo continua a editara obra de Wenceslau de Moraes, o português que trouxe até nós o Oriente.
Publicado pela primeira vez em 1920 no Comércio do Porto, “Fernão Mendes Pinto no Japão” (Livros de Bordo, 2017) trata, segundo as palavras do autor, de iluminar “o itinerário da primeira viagem ao Japão do nosso aventureiro“, tendo Moraes contado com a ajuda de um trabalho do alemão Hans Haas. E, claro, com a Peregrinação de Mendes Pinto, que no seu entender não ficará atrás de “Os Lusíadas” de Camões.
Antes de se fazer ao mar com Mendes Pinto, Wenceslau deixa no ar uma dúvida: “Teria Mendes Pinto visto bem, com olhos perspicazes, o país estranho que se desenrolava em sua frente e o povo estranho com que entrava em relações?“. E, acrescenta logo a seguir, terá sido o português o descobridor do Japão ao mundo ocidental?
Como é hábito em Wenceslau de Moraes, o empreendimento a que se propõe é apresentado com modéstia: “Não irá mais longe de uma rápida, despretensiosa palestra, que, a ter algum merecimento, será o de ir acordar energias intelectuais de outros cultores de letras, para empreendimento de mais fôlego“.
Uma vez mais, as palavras de Wenceslau de Moraes contêm o poder e a arte da sedução, falando de “cidades movediças“, de palavras que podem ter entrado no léxico português pela acção de Mendes Pinto – como bengala e leque – e do facto da primeira espingarda a que os japoneses deitaram a mão lhes ter sido oferecida por Zeymoto, companheiro de Mendes Pinto.
Apesar de recusar a ideia dos Descobrimentos portugueses como um negrume – “os vícios e os costumes eram então os do mundo inteiro” -, Moraes recorda, em relação à Peregrinação, as “páginas repugnantes, que se lêem com desgosto“, uma cortesia do Capitão António de Faria. Moraes resume, aliás, com uma total clareza, o espírito que animava os vários milhares de portugueses do Oriente e Extremo Oriente: “espírito de lucro, de rapina, de fanatismo, de intolerância religiosa e de todos os desregramentos concomitantes, acompanhados geralmente de uma coragem inaudita“.
A escrita de Wenceslau de Moraes é puro deleite, tornando ainda mais incríveis as aventuras do autor da Peregrinação. Para além do prazer da leitura, “Fernão Mendes Pinto no Japão” serve para recordar a velhos leitores e apresentar a outros mais novos uma outra Odisseia portuguesa, para além de uma outra escrita por Camões.
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