Qualquer coisa como a “Divina Comédia”, de Dante, recriada livremente pelo Marquês de Sade, a que só falta mesmo o alerta na capa de que há nestas páginas marotice para dar e vender. Foi esta a sensação principal que ficou após a leitura do primeiro volume de Faithless e, chegados à última página de “Faithless: Volume Dois” (G. Floy, 2021), poderemos falar na boa em marotice 3.0. Com argumento de Brian Azzarello e arte de Maria Llovet, Faithless é uma das mais estranhas e eróticas séries em publicação, que leva o leitor numa atribulada viagem ao mundo da arte contemporânea.
Por esta altura, Faith é vista pela crítica como “controversa, um batimento cardíaco à frente da pulsação e despudoradamente pornográfica”, mas também como “uma lufada de ar fresco surpreendente”. Será em Turim, “uma cidade muito esotérica – um eixo no triângulo da magia branca com Lião e Praga” – e, também, da magia negra, juntamente com Londres e São Francisco -, que Faith irá apresentar os seus últimos trabalhos, todos já vendidos sem que alguém lhes tenha posto a vista em cima. Trabalhos que, usando uma linguagem quase poética, saíram verdadeiramente das entranhas de Faith, numa experimentação de novos materiais e técnicas que promete agitar ainda mais as águas do mundo artístico.
Faith vai descobrindo aos poucos o seu poder, e nem mesmo o aviso de uma velhinha com ar de sem-abrigo – que lhe diz: “O teu amante não tem uma alma negra, ele é a alma negra” -, com quem já se cruzou antes numa outra geografia, parece desviá-la do fascínio diante de um Diabo – ou Louis, como assina no BI – que a colocou nos píncaros do sucesso artístico: “O que queres que te diga, gosto de maus rapazes…”.
A grande surpresa, porém, chega embrulhada num par de asas, mostrando que isto do bem e do mal tem muitas nuances e tonalidades, não tendo de acabar necessariamente em chacina: “É como os democratas e os republicanos”. Uma vez mais somos presenteados com frases de boa gente como Franz Kafka ou Frida Kahlo, a anteceder cada um dos capítulos, mas há também outras mais acutilantes, que poderiam ser gravadas em azulejos de casas de banho de casas de alterne – como esta definição do que é estar com um fantasma: “Como a masturbação. Mas mais triste. Mais profundo que sozinho”.
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