Em 1960, Cuba vive momentos efervescentes. A revolução triunfou e todos foram afectados. “Fabián e o Caos” (D. Quixote, 2018), romance de Pedro Juan Gutiérrez, narra-nos a história de dois jovens que partilham a busca incessante pela liberdade e a realização de sonhos num regime autoritário e opressor. Fabián e Pedro Juan, amigos improváveis, ansiosos por novas experiências culturais, interpessoais ou sexuais, e que se deparam com a repressão da família, da religião e do regime politico.
Pedro Juan atlético: musculado, sedutor, um verdadeiro amante. “Quantas namoradas tive nesses anos? Não sei. Duraram pouco. Umas semanas. Eu aborrecia-me porque elas não me deixavam avançar”. Com Regina foi diferente. A verdadeira descoberta da sedução, da felicidade, da iniciação sexual, “finalmente aparecia uma mulher sem preconceitos, e que vivi sem melindres nem condições”. Muitas outras mulheres se cruzaram no seu caminho. Encontros fugazes e voláteis. Com Tita foi diferente. A descoberta do erotismo no clima de intimidade e de privacidade: “Gostava do sabor forte e áspero da sua pele. Não era o odor e o sabor normal de qualquer mulher. Não. Tita tinha um sabor e um odor estranhos”.
Fabián: um jovem frágil e míope. O piano era a sua paixão –“Eu e o meu piano. Não existe mais nada”. A música era o sentido da sua vida. Afinal, Fabián “começou a escutar a música do piano quando ainda era um feto a flutuar no ventre de sua mãe. Dia após dia”. Muitas foram as horas, semanas e meses dedicadas ao estudo do piano, com a aspiração de “ser um génio. Tocar tanto Wagner como Mahler. Debussy e Beethoven. Todos! Todos os grandes! Sem renunciar a nenhum. Era jovem, ambicioso, egoísta e tinha talento”. Vivia obstinado em tocar como os grandes nomes, queria “aprender as Variações Goldberg, de Bach”. A música dava-lhe prazer e felicidade. Fabián vivia protegido pela mãe e humilhado pelo pai, que não compreendia a sua paixão pela música. Uma paixão arrebatadora proporcionou-lhe os dias mais felizes da sua vida, mas por pouco tempo. A homossexualidade, reprimida pelo regime político, fez com que o medo se apoderasse de si, tornando a vida num labirinto e fazendo despertar um desejo crescente de ser invisível.
Como se cruzam os caminhos destes dois jovens tão diferentes? Encontros e desencontros marcaram as suas vidas, ambos partilham de percursos desviantes à luz da ideologia do governo cubano. O reencontro do jovem hedonista, Pedro Juan, e do jovem artista, Fabián, dá-se numa fábrica de conservas enlatadas de carne, onde trabalham os proscritos da nova sociedade revolucionária.
“Fabián e o Caos” é uma narrativa que induz à reflexão sobre questões políticas, sociais e religiosas. Vários episódios proporcionam (re)pensar as relações entre pais e filhos, a adolescência como uma fase de descobertas. A arte, na expressão da escrita, da leitura e da música, marcam uma presença transversal no romance. Muitas são as referências ao jazz, à música cubana e aos grandes nomes da música clássica. Porém, aqui, a revolução impede o acesso a grandes nomes da literatura, como Hermann Hesse, Boris Pasterrnak, Nietzsche, Céline ou Cabrera Infante, entre muitos outros.
Um livro que oscila entre a nostalgia e o sofrimento, a alegria e a melancolia, para, numa linguagem intimista, subtilmente criticar a ideologia, falando-nos da intelectualidade cubana e da marginalização social durante os tempos conturbados da revolução cubana.
Sem Comentários