Nascido em Omegna, Itália, no ano de 1920 – deixou-nos em 1980 -, Gianni Rodari é considerado um – ou mesmo “o” – dos grandes renovadores da Literatura Infantil e Juvenil, tendo juntado, ao ofício de escritor, os de político – esteve vinculado ao Partido Comunista Italiano -, jornalista e pedagogo.
Como escritor, levou para casa o Prémio Andersen em 1970 e, entre as suas obras, está o fabuloso “Contos ao Telefone”, de que aqui falámos há não muito tempo, livro que tem como protagonista o Sr. Bianchi, um caixeiro-viajante de Varese que “todas as noites, às nove em ponto, onde quer que se encontrasse, (…) ligava para Varese e contava uma história à filha”. Um livro que, tal como a sua obra, mostrou que a brevidade poderia ser sinónimo de boas narrativas, dando inclusive ao leitor o poder de ser ele a idealizar como irá terminar a história que acaba de ler. É o caso deste “Era Duas Vezes o Barão Lamberto” (Kalandraka, 2020) que, depois de uma aventura ao nível de um Benjamin Button ilustrado, convida o leitor mais ou menos descontente a puxar pela imaginação para acrescentar mais um ou dois capítulos.
Lamberto é um barão muito velho, que vive num palacete na ilha de S. Giuglio – que fica mais ou menos no meio do lago de Orta – e está sempre doente. Anselmo, o dedicado mordomo que anda sempre de guarda-chuva debaixo do braço, tem apontadas num caderno todas as maleitas que assolam Lamberto, organizadas de A até Z, como artrite, artrose ou bronquite crónica, bem como todos os remédios receitados, as horas das tomas e as muitas recomendações dos muitos médicos que Lamberto visita com frequência.
No sótão do palacete descobrimos seis pessoas dedicadas a uma estranha ocupação. Com um ordenado ao nível do presidente da república italiana e um menu gastronómico que poderia ter sido confeccionado por um restaurante com estrelas Michelin, apenas têm de repetir, em turnos ininterruptos de uma hora cada um, “Lamberto, Lamberto, Lamberto…”.
No radar há também Otávio, o sobrinho de Lamberto – e único familiar vivo do Barão -, que ninguém vê desde que pediu um empréstimo de 25 milhões para pagar uma dívida de jogo, esperando ansiosamente pelo dia em que Lamberto vá desta para melhor para recolher a herança que lhe julga ser devida.
Nesta demanda pela eterna juventude – ou da preservação da memória -, encontramos ainda cinzentões directores de banco, ladrões com pouca perspicácia, declarações de amor sem fundo, uma população sedenta por aparecer na fotografia – ou na televisão – e, acima de tudo, mensagens tão castiças e importantes como pensar sempre por cabeça própria ou de nunca, mesmo nunca, devermos ter medo das palavras. Para além de, pelo caminho, aprendermos palavras tão incríveis como nictação: o acto de abrir e fechar os olhos rapidamente. Humor, surrealismo, absurdo, rebeldia e muita – mesmo muita – imaginação. Vintage Rodari.
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