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Entrevista: Luís Corte Real

Por Isabel Daires · Em 03/06/2022

Luís Corte Real, fundador da editora Saída de Emergência, criou em 2021 uma figura digna de ascender ao panteão das personagens icónicas da literatura portuguesa: Benjamim Tormenta, o Detective do Oculto da Lisboa novecentista, protagonista de “O Deus das Moscas Tem Fome”, um conjunto de contos tão ricos em acção e fantasia como em referências literárias.

Cerca de um ano depois surge “Assim Falou a Serpente” (Saída de Emergência, 2022), que leva o protagonista a novas paragens, para enfrentar novos perigos, sempre acompanhado por uma panóplia de amigos e inimigos, de onde se destaca o demónio Lamashtu, cujo aprisionamento no corpo do detective é um mistério. A propósito deste último livro voltámos a entrevistar o autor, que nos fala das suas fontes de inspiração e revela um pouco mais acerca daquilo que poderemos esperar do próximo volume.

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Os livros de aventuras de Benjamin Tormenta são muito ricos em referências literárias. Sabe se os seus leitores decidem explorar outros autores graças a si? Confesso que nunca li Júlio Dinis e fiquei com curiosidade acerca de “Uma Família Inglesa”, isto depois de ter lido o conto A Mulher Gorda Que Sussurra.

Fica a saber que adorava que lesses “Uma Família Inglesa” por causa do conto A Mulher Gorda que Sussurra. E que isso acontecesse não só contigo, mas com muitos outros leitores. Mais: que não fosse apenas com o Júlio Dinis, mas também com o Eça de Queirós por causa do Fradique, com o Edgar P. Jacobs por causa do Raj, etc. Portanto, de certa forma, acho que respondeste à tua pergunta. Acredito que alguns leitores irão conhecer outros autores por causa do “Assim Falou a Serpente”, e isso é fascinante – as referências literárias não são apenas homenagens, são um convite para que outros as descubram.

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Cada um dos dois volumes já publicados desta colecção teve um autor convidado. Está instaurada uma tradição? Em caso afirmativo, que outros autores já convidou ou gostaria de convidar?

Sou um fã da literatura pulp do início do século passado – fascinam-me as capas coloridas, os heróis excêntricos, a imaginação sem fim, e as centenas de mitos a que deu origem. Uma das coisas que acontecia, nessas publicações baratas, era a partilha de universos. Ou seja, o mesmo herói podia ter contos escritos por diferentes autores, cada um com a sua voz, mas todos remando para o mesmo lado, usando os mesmos cenários, as mesmas personagens secundárias, e construindo algo em conjunto. Decidi que iria fazer isso com todos os volumes do Benjamim Tormenta. É uma tarefa ingrata para os autores convidados, pois são atirados de rojo para um universo algo complicado e com particularidades muito específicas. Tanto a Anabela Natário como o Luís Filipe Silva, cada um à sua maneira, se safaram muito bem. Tenho, em mente, mais 2 ou 3 autores que gostava de convidar… mas só Lamashtu sabe quem são.

Neste segundo volume há uma expansão geográfica do raio de acção de Benjamin Tormenta, que se desloca de Lisboa ao Porto e até mesmo ao Egipto, passando por Gibraltar e Malta. Sabemos, graças à entrevista anterior (ler aqui), que já reuniu material acerca de outros territórios, como Goa, Angola e o Rio de Janeiro, os quais surgirão futuramente. Existe algum ponto do globo que já tenha decidido que o Detective do Oculto nunca visitará, ou que, pelo menos, tentará evitar?

Tenho um conto, já terminado, que se passa em Óbidos. Tive de pesquisar muito sobre a vila, mas gosto bastante do resultado final pois sinto que transporta o leitor para um burgo decadente e arruinado que nada tem a ver com a vila bonita e colorida dos nossos dias. Estou a terminar a leitura de três livros sobre Constantinopla, pois será lá que se passa o próximo conto que irei escrever. Tenho mais quatro livros sobre os Açores oitocentistas, que usarei para escrever um conto nas ilhas. Depois reuni muito material sobre Goa, Rio de Janeiro, Angola, Paris, Londres… mais locais do que aqueles onde conseguirei colocar o bruxeiro. Ele pode ir a qualquer local, menos à Lua. E a Marte!

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Descobrimos aqui um pouco mais sobre o mistério que é a existência de Tormenta, incluindo um facto acerca do seu nascimento, que lhe é inadvertidamente revelado pelo demónio que nele habita e que suscita interrogações acerca da relação entre ambos. É correcto concluir que Lamashtu já o acompanhava antes de ter nascido? Ou é a natureza do demónio que lhe dá esse conhecimento do passado?

Se for verdade o que Lamashtu disse, e é preciso ter cuidado pois ele mente até quando diz a verdade, então Tormenta talvez tenha escorregado do útero da mãe enquanto esta era enforcada. Diga-se, é uma maneira horrorosa de nascer, tombando entre fezes, urina e sangue, a mãe expirando enquanto ele solta o primeiro choro. A serpente habitaria a mãe, habitaria já o feto, habitaria alguém que assistiu a tudo? Não sabemos. O grande arco narrativo, que une os vários livros de Benjamim Tormenta (os dois que já foram escritos e aqueles que ainda faltam), é precisamente a sua origem e a origem do demónio. Acredito que o terceiro volume irá revelar algumas coisas interessantes.

A multiplicação de pontos de vista a que assistimos neste novo volume será mantida nos seguintes? Nesse caso, poderão os leitores chegar a conhecer o passado do protagonista melhor do que o próprio?

Adorei a multiplicação de pontos de vista, permitiu-me contar histórias que não poderia fazer quando o bruxeiro é a personagem principal. Gostava de o repetir no futuro, sempre que fizer sentido e enriquecer o arco narrativo. Sem dúvida que podemos chegar ao ponto em que os leitores saberão mais sobre o passado do detective do que ele próprio. Aliás, nem sei até que ponto ele quer saber o que está para trás, pois cada vez que descobre algo arrepende-se.

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Há um trecho inesperado, e até divertido, em que os parágrafos dão lugar a tabelas, quando o protagonista se encontra sob ataque e Lamashtu lhe apresenta um plano de luta como se fosse o relatório de uma partida de xadrez, com a evolução da situação das várias peças. Faz lembrar a abordagem do cineasta Guy Ritchie à figura de Sherlock Holmes, na maneira como este é representado a planear os confrontos. Será esta mais uma fonte de inspiração? Ou houve outra diferente?

Hesitei bastante em colocar essas tabelas – temi que os leitores não percebessem ou as odiassem. Mas o retorno que tenho tido até agora tem sido bom, acham diferente, divertido, e, curiosamente, bastante funcional. Nas fontes de inspiração não mencionei a versão Sherlock Holmes de Guy Ritchie, mas, agora que falas nisso, talvez tenha sido uma injustiça, pois antes de escrever o primeiro conto do bruxeiro, as cenas de luta desses filmes eram já uma inspiração para mim.

O conto que encerra a obra e lhe dá título termina no Egipto, com a insinuação de uma viagem no tempo. Reencontraremos Benjamim Tormenta no tempo dos faraós?

Se te disser que nem eu sei, acreditas? Ainda não escrevi o conto que se segue ao “Assim Falou a Serpente”. O bruxeiro pode desaparecer para sempre e os próximos contos passarem-se todos antes de 1874. Ele pode ficar algum pelo tempo dos faraós e depois regressar. Ele pode regressar mas ser um homem completamente diferente. É o próximo conto que terei de escrever e, para mim, será um conto muito difícil de resolver.

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Neste último conto, um culto manipula o passado para mudar o presente e determinar o futuro, que é algo que vários movimentos ideológicos tentaram fazer ao longo da História – embora não de uma forma sobrenatural, tanto quanto sabemos. Inspirou-se nalgum caso concreto para conceber esta parte da narrativa?

Que eu saiba, não me inspirei em nada específico. Tinha uma série de ideias que não combinavam: viagens no tempo, povos do mar a atacar o Egipto (que é um facto histórico), a Salomé possuída por visões que a levavam a um local qualquer. Depois de muitos passeios a pé para tomar notas e clarificar as ideias, acabei por conseguir encaixar todas as peças. Na minha opinião, é o melhor conto do bruxeiro.

Entrevista, Luís Corte Real, Luís Corte Real, Saída de Emergência, Benjamim Tormenta, O Deus das Moscas Tem Fome, Assim Falou a Serpente, Deus Me LivroA perda de aliados, ou a transformação de amigos em inimigos, será um tema a explorar? A lealdade de Raj, o servidor indiano, alguma vez será posta à prova?

Não acredito que Raj alguma vez traia o seu sahib (spoiler!) O que gostava de explorar é a razão para aquela amizade invulgar existir. O que é que Tormenta terá feito por Raj para beneficiar da sua total dedicação e fidelidade? Algures no éter há um conto sobre isso que gostava de escrever. Talvez para o terceiro volume!

Desde a entrevista anterior (ler aqui), houve algum desenvolvimento quanto à possibilidade de adaptação da sua obra para cinema ou televisão?

Estou a trabalhar com dois ilustradores nacionais para produzir uma BD do Benjamim Tormenta. Em breve terei novidades. Quanto a uma adaptação para televisão, parece-me muito complicado; o livro tem duas características que encarecem qualquer produção: a recriação histórica e os efeitos especiais para criar as cenas de acção e os monstros. Mas que dava uma boa série, não tenho dúvidas.

Nota-se que houve muita dedicação e criatividade na edição desta obra, não só ao nível do conteúdo, mas também no grafismo do livro enquanto objecto e nos materiais acompanhantes – o cartão de visita manchado de sangue e a imitação de um jornal do século XIX com alguns toques de humor. A quem devemos dar os parabéns por essas iniciativas? Os seus leitores poderão esperar presentes semelhantes em publicações futuras?

A ideia do cartão de visita e do jornal de época foram minhas – pareceu-me uma forma diferente de promover o livro, tanto nas livrarias como em eventos e nas próprias Feiras do Livro (o fabuloso Luís Morcela, designer da SDE, tratou da execução). Sem dúvida que o terceiro volume, quando finalmente estiver pronto, terá a mesma dedicação dos dois anteriores. Amo-os como filhos e desejo-lhes o melhor.

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Isabel Daires

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