No posfácio de “Entre Eles” – recordando os meus pais – (Porto Editora, 2020), lê-se que “(…) o título deste livro, significa, em parte que ao nascer eu me interpus literalmente entre os meus pais, um lugar virtual onde fui acolhido e amado enquanto eles foram vivos. Mas destina-se também, por outro lado, a retratar a sua unicidade inerradicável, quer no casamento, quer nas suas vidas enquanto pais”.
Justificado o título, poderemos acrescentar que o livro é composto por dois textos escritos com trinta e cinco anos de diferença. O primeiro texto, mais recente, é dedicado ao pai; o segundo, dedicado à mãe, foi escrito em 1986, cinco anos após o seu falecimento.
O amor de Edna Akin e de Parker Ford, é narrado não cronologicamente mas partindo de fragmentos de alegrias e tristezas que fazem a vida, momentos cristalizados na memória, histórias ouvidas vezes sem fim e do olhar terno de fotografias. Richard Ford partilha esse amor e está “Entre Eles” não como um observador, um intruso, mas como uma personagem secundária desse amor: “Tive a sorte dos meus pais se amarem e, do cadinho desse grande amor quase insondável, de me amarem a mim. O amor, como sempre, confere beleza”. Ao fazer o luto dos pais, Ford escreve partindo de memórias, ocultando outras e reconhecendo que há memórias nebulosas e frágeis. Longe de ser uma narrativa memorialista, o leitor desfrutará de um belíssimo texto, verdadeiramente literário, marcado pela estética das emoções e da simplicidade.
As memórias contêm em si o passado e o presente, a vida e a morte. Pensar a vida dos pais permite-nos pensar quem somos, “ajudam-nos a distinguir-nos”, a pensar o amor, a finitude, a velhice e se, alguma vez, conhecemos verdadeiramente o outro. Ajuda-nos igualmente a superar a saudade: “Muito depois das suas mortes, sinto amiúde uma saudade em estado puro, saudade da sua realidade. Portanto, escrever sobre eles, não lhes voltar as costas, não só é uma maneira de remediar as minhas saudades, imaginando-os próximo de mim, mas também de apontar para essa realidade, que – uma vez mais. É onde começa a minha compreensão do que é importante”.
Há vidas invisíveis. Há vidas que não queremos esquecer, na tentativa de compreender quem somos. Pensar a vida é pensar a morte, porque “a morte começa muito tempo antes de chegar. Até na própria morte há vida que tem de ser vivida”. Viver é uma aprendizagem para gerir, o melhor possível, o turbilhão de emoções, memórias, saudades e vivências. Nunca sabemos o que vamos encontrar, mas queremos evitar espaços ocos e ausências. Escrever poderá ser uma forma de restaurar a nossa existência.
Richard Ford nasceu em Jackson, Mississippi, em 1944. Reconhecido pela crítica como um dos grandes retratistas dos temas estruturantes da sociedade norte-americana, detém o recorde de ter sido o único autor distinguido em simultâneo com os prémios Pulitzer e Pen/Faulkner para uma mesma obra. Em Junho de 2016, Richard Ford foi distinguido com o Prémio Princesa das Astúrias das Letras e, em 2019, com o Library of Congress Prize para ficção americana.
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