“A vida passa e raramente pensamos nas coisas simples e grandes: solidão, saudade, paixão e morte”.
Numa sociedade cada vez mais orientada por princípios e estratégias de natureza económica, na qual a sustentabilidade é aferida por deficits, curvas de ganhos e prejuízos materiais, compromissos financeiros e sanções económicas, ler “Entre Amigos” (Dom Quixote, 2017), de Amos Oz, acompanhando a vida de personagens que habitam o imaginário Kibutz Ykhat, é realizar uma viagem a um ideal alternativo de organização, coesão e sobrevivência comunitária.
Para Amos Oz, reconhecido escritor e activista israelita, ele próprio com prolongada experiência de vida num Kibutz, retratar o quotidiano destas comunidades, servindo-se de vidas interligadas de personagens comuns, é algo fácil e natural.
Um jardineiro de mau agoiro, do qual todos se afastam por persistir no relato da desgraça alheia; a admiração de uma mulher pelo mesmo; a resiliência de uma outra que, apesar de trocada pelo companheiro, persiste no cuidado ao mesmo; um viúvo que vê a sua única filha adolescente viver com um homem muito mais velho, seu amigo e companheiro de debates.
Ao todo, oito histórias: retratos de um Kibutz, excertos de um episódio ou de um dia, que se sucedem demonstrando a forma como vidas privadas, aparentemente insignificantes, têm um incrível valor e impacto comunitário. Os temas universais são abordados com mestria, num equilíbrio único entre o público e o privado. A descrição é rica, detalhada e fluida. As imagens mentais da realidade e dos personagens surgem com facilidade, numa recriação que se pressente precisa e fiel.
Com a filosofia “dá o que podes, recebe o que precisas”, os Kibutz são pequenas comunidades criadas no início do século XX. Chamam a atenção pelo seu desenvolvimento interno e coesão, numa desafiante coabitação entre ortodoxia e progresso, complexas nos campos económico, histórico, político e social. A economia funciona por meio de oficinas de trabalho com diversas especialidades. Todos os que podem trabalham, mas ninguém recebe dinheiro. Não têm despesas e podem usufruir de inúmeros serviços, dispondo de uma loja onde recolhem os produtos de que necessitam e um refeitório onde são servidas refeições gratuitas. Serviços de lavandaria, desporto, saúde e educação são igualmente providenciados pelo colectivo. Tal como o título da obra de Amos Oz anuncia: uma vida entre amigos.
Sem Comentários