“Entre a Lua, o Caos e o Siêncio: a Flor” (Guerra & Paz, 2021). Foi este o muito poético título, escolhido por Irene Guerra Marques e Carlos Ferreira, para a Antologia de Poesia Angolana publicada com o selo editorial da Guerra & Paz.
A anteceder o prefácio, citações falam em “literatura de revolta, de afirmação combativa, de luta, de guerrilha”, destinada a “cumprir uma missão didáctica” – António Jacinto -, ou destacam, relativamente a esta Antologia, o “manifesto pendor pedagógico”, a “abrangência metodológica séria e notável” ou a “rigorosa sistematização de dados que suscitam outras leituras sócio-históricas” – Boaventura Cardoso.
Já no prefácio, assinado por Francisco Soares, destacam-se as “várias esferas de circulação artística” presentes na Antologia que, partindo da Literatura, integram “as oralidades, a escultura de provérbios como nos testos de panela, a geometria de estórias e ensinamentos como nos desenhos sona, as memórias arcaicas (dos arcanos ou dos princípios) como nas figuras do Tchitundu-hulu”. Há, também, o recurso a Aristóteles e à sua imagem da Poesia, como sendo esta a imitação do Homem através da linguagem. Uma Antologia que partiu também de uma ideia de conjunto, com vista ao desenvolvimento de uma comunidade literária em Angola, e que vem “culminar o rumo e o esforço historiográfico iniciado por Mário António, Carlos Ervedora, Costa Andrade” e outros.
Nas palavras de Francisco Soares, a Antologia começa “cortando água do mesmo rio profundo que é o das nossas oraturas, ampliando a diversidade das recolhas e das culturas para-coloniais antologiadas”. Aponta-se, de seguida, uma cronologia da literatura como estando dividida em três grandes períodos – que a Antologia demonstra sem seguir à risca o critério cronológico: o primeiro, “o da longa e descontínua criação da comunidade literária local”; o segundo, aquele que Mário António definiu como o da “formação da literatura angolana” (1850-1949); e, por último, aquele que corresponde ao nascimento de “uma literatura própria, diversificada e aberta ao imprevisto”. A superação desta Antologia em relação às anteriores é, ainda segundo Francisco Soares, o não pretender “negociar poder cultural, apenas mostrar o mais possível”.
O critério mais evidente desta Antologia, que escolheu ser mais maximalista que minimalista, é o da abrangência, numa recolha representativa onde se incluiram também “mitos que ficaram esquecidos, ou que não tinham sido anotados ainda”, cabendo ao leitor a missão futura de desenvolver ou detalhar.
A divisão da Antologia obedece a três grande blocos: “Formas de Arte Verbal ou Oratura” – onde estão presentes Kikongo, Kimbundo, Kwanyama, Umbundo; Percussores (sécs. XVII e XIX) – que apresenta os primeiros textos poéticos manuscritos (Séc. XVII) e escritos (Séc. XIX); Modernidade e Contemporaneidade (Continuidades e Descontinuidades) (Sécs. XX e XXI) – o grande bloco desta Antologia.
A última secção do livro apresenta as informações biográficas e bibliográficas sobre os autores incluídos na Antologia, “para lançar pistas, ou resumir”, fazendo nascer no leitor a vontade de investigar e de conhecer mais.
Já na introdução, os organizadores Irene Guerra Marques e Carlos Ferreira referem que este trabalho partiu da antologia Poesia de Angola, da qual Irene Marques foi co-autora, editada em 1976 e que deu origem a uma outra lançada em 2011. Esta nova Antologia será assim, segundo a dupla, “uma versão revista, acrescentada e actualizada que procurou, na medida do possível, organizar e fixar com novos dados, fruto do trabalho de pesquisa e informações que mãos amigas nos permitiram conhecer, elementos essenciais para o alargamento do corpus e por outro lado, seguir o natural aparecimento de propostas das novas gerações”.
Esta é a terra
sem nome, sem homens,
grande e antiga
terra minha,
espaço sem dimensão,
horizonte imóvel
na extensão planetária.
Não há nada para cobiçar;
não tem dono
a sua grandeza imensa,
jaz apagado o diamante.
anónimo está o ouro,
arde o ferro
na massa subterrânea,
falta personalidade à prata.
Não há nada para cobiçar;
só silêncio,
só terra grande,
sem nome,
sem homens,
grande a antiga
terra Minha.
África (Iº Poema), de Manuel Lima
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