Basta uma página sem diálogos, isto se descontarmos a dedicatória impressa num envelope fechado, pousado junto a uma moldura dupla, para ficarmos conquistados com “Emma G. Wildford” (Arte de Autor/A Seita, 2023), um maravilhoso álbum de BD assinado pela dupla Zidrou/ Edith.
Com 35ºC, a desinibida Emma decide fintar o calor africano que se instalou em Londres, mergulhando nua num tanque para grande espanto da irmã Elizabeth, a quem coloca em causa os laços matrimoniais: “Um dia hás-de explicar-me como fizeste para te casares com este cofre-forte com pernas!”. Para Elizabeth, Emma “é uma sonhadora, uma poeta. Afinal, o seu trabalho é furtar-se à realidade”.
O noivo de Emma partiu numa expedição da Royal Geographical Society, entidade na qual não são admitidas mulheres, mas há já algum tempo que não dá notícias. O objectivo da expedição era o lago Inari, onde corria o mito urbano de poder haver um túmulo de uma deusa carregado de tesouros. Antes de partir, o noivo deixou-lhe uma carta – a tal do início -, pedindo que Emma só a abra se alguma desgraça lhe acontecesse. Perante a incerteza, Emma decide partir ao encontro daquele que sente ser o amor da sua vida, enfrentando os perigos naturais e os olhares de censura de uma sociedade machista: “Sou mulher, Lorde Rosveur. Fui educada no pressuposto de que tudo ao meu redor eram perigos e perversões!”.
O livro avança como num romance de Agatha Christie, que aliás tem aqui direito a uma elogiosa menção: “Tenho de reconhecer a essa Miss Christie um certo talento para nos apanhar com as suas histórias de crimes misteriosos, e não nos largar até ao final”. São páginas habitadas pela poesia e por múltiplos silêncios, que tudo parecem preencher, num livro onde se questiona o amor através de versos que flutuam. O que sabemos, afinal, sobre o amor? Emma talvez tenha a resposta: “Mais do que a minha condição ímpia. Menos do que aquilo a que a minha natureza aspira”.
As ilustrações e o trabalho de cor de Edith são um primor, casando na perfeição com o texto de Zidrou. No final, o leitor será brindado com uma rectangular surpresa, que fecha o ciclo desta história de emancipação que poderia bem ter começado assim: “Lá em cima… no país do céu e das aves, vive uma mulher que nunca palavra diz”. Muito bom.
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