Há cinco anos que Torres Vedras solta, pelas ruas e locais icónicos da cidade, as palavras, os livros, a literatura – e nós não sabíamos! Agora que ficámos a saber, vamos estar atentos para novas edições e não perder pitada. Mas antes vamos contar-vos um pouco da magia que por lá sentimos, bem como sobre alguns nomes que queremos seguir. Também fomos encontrar alguns de quem já éramos fãs, mas o mais importante é saber que os livros ganharam mais um LU.GAR.
Em parceria com a Cooperativa Memória Imaterial, Torres Vedras celebra a Literatura com uma programação vasta que se estende durante dois meses, com eventos para todas as idades que abraçam várias formas de expressão artística que estão ligadas ao livro. Torres Vedras – Cidade dos Livros integra a Literatura no teatro, na música, na performance, na oralidade dos contadores de histórias, na ilustração e, ainda, nas instalações sonoras que servem de pano de fundo a tantas narrativas.
Foi precisamente pelo teatro, «Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa» também ele roubado dos livros, que rumámos a Torres Vedras para celebrar a oralidade, na leitura de «Novas Cartas Portuguesas», festejando assim os 50 anos desta publicação; foi esse também o mote para o primeiro encontro presencial de Heróides – Clube do Livro Feminista, que teve lugar nos Claustros do Convento de Nossa Senhora da Graça|Museu Municipal Leonel Trindade. Quando demos por isso, tínhamos a agenda composta para um fim-de-semana (20 a 22 de Maio) na fabulosa Torres Vedras, que tão bem nos acolheu.
Logo na sexta feira, o primeiro encontro foi com a contação de Cristina Taquelim – e em tão boa hora a ouvimos, ou melhor, viajámos. Descobri-la e reencontrar Ana Sofia Paiva foram as melhores surpresas deste evento.
Taquelim é brilhante e de uma mestria sem igual. Entre várias histórias e alguns dizeres populares, ficámos a saber que o difícil para um contador é dosear a língua comprida e o calar o ditado: o calado vence tudo. Dando corda a essa língua, em breves minutos transportou-nos para as areias vastas da meia praia, deixando-nos com os versos de Zeca Afonso a ressoar na cabeça, para dessa forma deixarmos o novo anfiteatro entre bairros, espaço que convida a voltar só para lá nos sentarmos a ler e a usufruir da paisagem.
Este foi também um fim-de-semana para redescobrir Torres Vedras, e muito disso está nos espaços verdes que convidam a caminhar e nos locais revisitados pela cultura, como é o caso do Antigo Matadouro, agora Centro das Artes.
Caminhando se fez o Parque do Choupal, outro espaço convidativo onde se pode descobrir o Atelier do Brinquedo. Já na zona histórica, foi entrar na velhinha igreja de Santiago onde ecoavam os sons da Moenda, uma instalação sonora de Miguel Neto que, em breve, deu lugar a uma contação a duas vozes: a de Ana Sofia Paiva e Thomas Bakk, que contou com uma introdução histórica para contextualizar a herança riquíssima e com tanto por explorar que é a literatura tradicional e o poder da oralidade.
O programa era vasto e, entre encontros com escritores, colóquios, formações, performances teatrais, leituras públicas participadas, exposições de ilustração, livros de artista e micro-livros, exposição de livros de cordel, um encontro de performers e investigadores dedicados à literatura tradicional e às literaturas marginais e a participação de criadores em sessões públicas, perdemo-nos nos meandros das colagens de Paula Delecave, ilustradora do livro “O avô tem uma borracha na cabeça” (Rui Zink), e autora da exposição “Eu vim de lá” patente na Fábrica das Histórias – Casa Jaime Umbelino, onde pudemos espreitar as ilustrações fabulosas, mas também as colagens mais íntimas que são palco da cronologia familiar da autora.
Para além dos livros, as colagens são outra paixão, por isso foi impossível ficar indiferente a este registo e não seguir este tipo de narrativa, ao mesmo tempo tão surreal e tão recorrente nas mais diferentes formas de arte, que é o peso e a definição das diferentes heranças.
Para além do universo onírico, o sábado ficou preenchido com comentários à impactante interpretação de Sara Barros Leitão, numa peça militante da sua autoria e que se recomenda, muito, que vão assistir. Um revisitar nostálgico, mas também necessário e ainda actual ao conteúdo do livro das 3 Marias, que teve o seu auge nas leituras dividas por entre as mais de cinquenta participantes que encheram de vozes os claustros do convento. E que terminou em mais uma roda de contos, onde ficámos a conhecer a contação com sotaque de Luís Correia Carmelo, que nos fez ter a certeza da nossa presença no itinerário “Inverosimilis ou a insólita história do lugar” na manhã seguinte.
Como não é possível descrever por palavras nossas a narrativa inverosímil de Carmelo, estão todos convidados à experiência possível, mas ainda assim imersiva, de o ouvir no seu tom meio misterioso e sério, com que nos guiou desde os claustros à colina do castelo. Pelo caminho, ainda nos fez mergulhar no espelho de água onde, em jeito de desafio, metemos os pés à água e seguimos mais frescos, embora aos chuviscos já se fizessem sentir, mas nem isso afastou os ouvintes atentos. Assim se fez deste LU.GAR.CONTADO um espaço de todos, um livro-cidade ao qual queremos voltar.
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