“E onde é que está o amor?” (Guerra & Paz/Clube do livro SIC, 2016 – reedição), de Ana Zanatti, traduz a força da literatura na interpelação do leitor. Todos nós já nos emocionámos num filme, ficámos uns belos minutos focados perante uma peça de arte ou retivemos excertos de textos com os quais mais ou menos intencionalmente nos cruzámos. Ler este pequeno romance de Ana Zanatti é sentir que alguém nos dirige a palavra com a intenção de colocar questões, de interrogar para além do evidente.
Em “E onde é que está o amor?”, nada parece criado e pensado só porque sim, só porque se quer captar a atenção, mas antes porque se quer transmitir uma mensagem que nos fará reflectir, interrogando-nos sobre o porquê da mesma, por mais inusitada que pareça.
Ana Zanatti realça a complexidade e a efemeridade das relações e dos afectos, mostrando que esta época em que vivemos é marcada por alegrias, amores, tristezas e raivas que se sucedem.
O efeito da leitura escorreita e da interpelação inevitável produzida por este livro poderá ser um sorriso nos lábios como a expressão de tristeza pelo potencial de proximidade com os acontecimentos relatados, que marcam compassos de (des)amor.
Num ambiente favorável à partilha, seis mulheres e três homens constroem diálogos interiores e ensaiam a expressão de emoções. Num grupo de auto-ajuda relativamente informal, conseguem falar de frustrações e humilhações, recompõem-se e recuperam a exuberância do discurso, surpreendem-se a si próprios e aos outros com os relatos que vão produzindo.
Álvaro, “homem bonito, com imaginação, moreno, de olhar profundo, gestos suaves e constituição proporcionada. Fala com serenidade, pausadamente“. Por seu turno, Renato, “um homem com cabeça afunilada e cara bexigosa“, destoa da maioria dos presentes, “mal vestido, aspecto pouco cuidado, modos rudes às vezes, um certo ar perdido e desconexo“. Marisa, casada há mais de trinta anos, com um ar convencional, a mais velha do grupo, fala com um tom de voz seguro, o discurso fluente. Susana surge no grupo como curiosa e vivaça. Virgílio sente-se diminuído perante a fluência de Álvaro, enerva-se e remexe-se na cadeira. Celeste, comunicativa, espalha alegria, conquista facilmente amizades e simpatias e nada faz para disfarçar o seu sotaque beirão, nem alguns provincianismos e termos pouco comuns, encontra ganho dos encontros inesperados com “pessoas que ousaram sair do lugar que o senso comum entende ser o delas“. Isabel, não sendo casada como a maioria dos presentes, sente dificuldade em ligar-se a alguém.
Partilhando as suas experiências, estas pessoas esperam diminuir o stress associado aos problemas e aumentar as competências para lidar com a frustração, procurando ajudar-se na gestão de sentimentos e na procura de formas de lidar com as dificuldades. “A atmosfera que paira é de maior serenidade depois de parte dos presentes ter conseguido verbalizar fatias da vida, ou detalhes delas, que haveriam de determinar algumas das suas decisões futuras.”
Porque se ama ou amou certas pessoas e não outras? O que teria sido necessário acontecer para que conseguissem continuar juntos? Os medo de ficarem sós, as dependências emocionais, o acharem que só poderiam ser felizes através de alguém, terão sido responsáveis pela manutenção de relações há muito impossíveis? Como identificar em tempo as relações que nos sugam, em vez de nos fazerem sentir amados, acompanhados, desejados e autónomos? Como se procura e se repetem relações dominadas pelo mesmo padrão de intimidade e respeito? Sem saber, joga-se com a ampulheta do tempo, entre um passado que já não se domina e um futuro que se vislumbra mais ou menos incerto.
Publicado pela primeira vez em 2013 e agora reeditado, trata-se de um livro breve e intenso que confirma o género de Ana Zanatti de interpelação ao leitor em matérias relacionada com a intimidade e o respeito.
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