Manuel Vilas voltou. Voltou acompanhado do seu passado, da sua história, das suas emoções, das suas fraquezas e, fundamentalmente, da sua inqualificável capacidade de falar de si e dos outros que lhe são importantes. Em “E, de Repente, a Alegria” (Alfaguara, 2020), prossegue o desafio da aceitação e do apaziguamento com as suas origens e com a sua natureza. Tal como em “Em Tudo Havia Beleza” (Alfaguara, 2019), romance autobiográfico que o catapultou para a ribalta e, como o próprio afirmou, o perseguiu e aprisionou, Vilas continua a escrever para lidar com as suas memórias, para lhes dar sentido e dignidade, porque, nas suas próprias palavras, “aceitar e amar o passado é um acto de beleza“.
Neste seu mais recente livro continuamos a acompanhar a relação com os dois filhos, com a companheira actual e, como não poderia deixar de ser, com os pais que, embora desaparecidos, continuam presentes na forma como processa o quotidiano, incansavelmente recordados e saudados por si.
O registo intimista mantém-se, fazendo-nos sentir parte relevante da vida do autor, tal o detalhe da reflexão e da partilha. Em muitos momentos sentem-se os acordes de um hino à vida falando da morte, ao amor invocando a perda, à alegria vivendo a depressão, à beleza mesmo na mais intensa escuridão. Um hino ao ser humano, essa entidade enigmática e pungente que Manuel Vilas ergue e dignifica com uma tremenda honestidade. Na obscuridade da sua luta interior chega a humanizar o que o diaboliza, criando Arnold Schonber, “o senhor da minha confusão, o chefe da minha instabilidade emocional”, aquele que o persegue, atemoriza interiormente. Aceitá-lo e dignificá-lo parece ter sido a estratégia de sucesso, aquela que o apazigua, permitindo-lhe lidar com os momentos mais negros e destrutivos da sua existência, com as vozes interiores que lhe tiram o sono e o chamam para a autodestruição.
Observador nato, neste livro, para além de falar de si e dos seus, Manuel Vilas fala também do mundo que o rodeia, da Espanha de hoje e dos anos 70, 80 e 90, da evolução do sentido da vida, dos elementos que a compõem hoje e ontem, das mudanças políticas e sociais, da cultura e da expressão dos seus cidadãos.
Através de uma escrita cristalina, Vilas cultiva no leitor a beleza do olhar introspectivo, da expressão de um verdadeiro sentido de vida e de um momento único de luz, quando afirma ser hospedeiro do seu passado – o qual, por mais tortuoso e vil que seja, o mantém vivo. Fica a convicção de que Manuel Vilas quis a nossa presença na sua vida, convidando-nos a conhecer e a acompanhar partes do seu quotidiano e da sua natureza. Novamente um grande acto de generosidade e um audível grito de libertação, que tem tido como resultado a identificação de muitos leitores com as suas expressões de dor e de superação. Afinal, “o passado é uma cave cheia de objectos cuja utilidade e préstimo se revela no futuro“.
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