Christopher Paolini, celebrizado pela saga “Eragon”, confessa no posfácio ao seu mais recente livro, “Dormir num Mar de Estrelas” (Edições Asa, 2021), que este “foi de longe o desafio criativo mais difícil” da sua vida. Ao concluirmos a leitura do segundo volume, compreendemos perfeitamente tal afirmação. Trata-se de um portento digno de tornar-se um clássico da ficção científica, onde uma imaginação prodigiosa se aliou a uma capacidade invejável de pesquisa e de estudo, criando um universo fascinante e coerente no longínquo século XXIII.
No primeiro volume, vimos como a exploração de um planeta é marcada pelo contacto da protagonista, a xenobióloga Kira Navárez, com uma antiquíssima entidade alienígena, a qual começa por se comportar como um agente infecioso, mas acaba por estabelecer com ela uma relação que se assemelha progressivamente a uma simbiose. Esse contacto desencadeia acontecimentos que colocam toda a espécie humana em risco, desde um conflito com criaturas que fazem lembrar cefalópodes – os Wranaui –, a uma ameaça ainda mais temível, por parte de seres adequadamente designados por “pesadelos”.
O segundo volume começa com Kira e a tripulação da Wallfish, a nave que a acolheu, a despertarem num cenário de guerra em pleno sistema solar, após uma das hibernações a que se submetem durante as viagens espaciais mais longas. Acompanha-os um alienígena disposto a estabelecer uma aliança com os humanos, mas os líderes destes rejeitam-na. Cientes de que essa aliança é decisiva para a sobrevivência da Humanidade, e já sendo considerados criminosos, os tripulantes da Wallfish decidem então arriscar a pena de morte por traição, desafiando as autoridades para ajudarem os inimigos. O plano é descrito como “um salto desesperado para o abismo”, mas é a única alternativa válida.
Em comparação com o volume anterior, este contém muito mais acção. As inovações tecnológicas continuam omnipresentes, mas já não produzem a mesma surpresa, visto que nos habituámos a elas, tal é a sua integração nesta visão do futuro. Para os leitores interessados em certos pormenores técnicos, existem excertos de textos explicativos fictícios numa adenda, no final do livro, a qual também inclui um dicionário de alguma terminologia que atravessa a narrativa.
Este volume também revela mais sobre a civilização Wranaui, sendo digno de nota o modo como a biologia e a cultura interagem e determinam algo como a comunicação, mas o foco da história permanece sempre do lado dos humanos, com as personagens principais a manterem-se fiéis a si próprias. A seguir à protagonista, quem mais evolui é Gregorovich, a atormentada e instável mente da nave Wallfish, que desempenha um papel crucial. Quanto a Kira, a revelação de novas capacidades do simbionte afecta-lhe a sensação de identidade e impele-a a transformações inesperadas.
Um tema recorrente na obra é o contraste entre os antigos planos de Kira e a dura realidade. Contudo, esta personagem admirável nunca desiste de enfrentar cada desafio com que se depara, incluindo mergulhar no desconhecido para defender outras vidas dos perigos que nele foram libertados. Sem deixar de lamentar tudo o que perdeu, Kira transcende-se, dando corpo às palavras que Gregorocivh lhe dirige: “nós mudamos com as circunstâncias, como poeiras sopradas ao vento”.
Na imensidão do espaço, a nova Kira pode adormecer num mar de estrelas, mas nós não conseguimos fechar o livro sem pensar na miríade de histórias que poderiam nascer da exploração deste universo tão rico e fascinante.
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