Um conjunto de histórias diferentes, nenhuma delas assim tão distante de uma beleza ímpar e que convida ao pensamento. É o que nos apresenta Itamar Vieira Junior em “Doramar ou a Odisseia” (D. Quixote, 2022), obra que compila 12 contos com uma sensibilidade profunda e um discernimento vivaz, por entre linhas de uma escrita rica que, mesmo através de tantas personagens, parece sempre tão pessoal e vívida.
Depois do romance “Torto Arado”, que venceu o Prémio LeYa, Itamar conduz-nos, aos longo de cerca de 200 páginas, através das histórias de “Doramar ou a Odisseia”– um dos contos que dá título à obra – e outras tantas, com as quais nos vamos embrenhando à medida que mergulhamos na escrita do autor.
Pelo meio de cada um dos contos somos confrontados com diversos temas que marcaram o passado e que pautam a actualidade, como a escravatura, o desrespeito pelos direitos humanos, a questão indígena, as vidas desgostosas por que passam emigrantes e refugiados, a luta de classes ou a destruição de florestas. Todos estas críticas e temas complexos são apresentados ao leitor por intermédio de belas e poéticas histórias, onde o amor e a ligação humana representam um factor preponderante e demarcante.
Um retrato (ou antes, um conjunto deles) que apresenta uma imagem de uma sociedade (e do Brasil) heterogénea, essencialmente por meio de personagens femininas – tanta vez descuradas, e que assumem aqui um papel principal -, através de uma escrita que, por vezes, pode parecer algo lenta, mas também necessária à degustação que o autor parece querer proporcionar ao leitor: uma leitura doce, por entre temas e sentimentos amargos, que façam reflectir sobre assuntos fracturantes.
Os contos não têm propriamente uma ligação (directa) entre si, e o leitor tenderá a gostar mais de uns do que de outros, seja por estar mais desperto para determinada temática que conflui na história ou por esta espelhar um sentimento – algo que Itamar faz tão bem – com o qual se identifica ou já se identificou. Um conjunto de histórias para experienciar separadamente, mas a saborear em conjunto e abraçando um desafio: combinar o doce da palavra escrita com o azedo dos sentimentos por ela deixado.
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