É mais um volume da colecção Dois Passos e Um Salto, recomendada para leitores maiores de 14 anos, e que junta no formato de uma novela gráfica Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho, autores já habitués no universo do qual faz parte o Planeta Tangerina – dupla que havia já oferecido “O caderno vermelho da rapariga karateca”, um dos primeiros volumes da colecção.
“Desvio” (Planeta Tangerina, 2020) tem como protagonista o jovem Miguel, que em pleno Verão e no ocaso da adolescência fica com a casa só para si: os pais estão de férias, os amigos também e a namorada saiu-se com o clássico sistema de fuga resumido num curto “preciso de um tempo”. Miguel é alguém que, numa fase de desvio da existência, aquela que normalmente corresponde à entrada no não muito entusiasmante mundo dos adultos, feito de rotinas, indecisões e depressões, parece ter um disco dos Joy Division a rodar no cérebro: “Sempre que damos um abraço, sinto as omoplatas da minha mãezinha e penso que somos apenas isto – um conjunto de ossos, um esqueleto. Eu abraço a minha mãezinha e penso que um dia vamos todos morrer: eu, ela toda a gente”.
Miguel diz estar há dezoito anos sem saber do que é que as outras pessoas estão à espera, e o último ano não ajudou muito no levantamento do moral: não fala com o pai há semanas, o Rúben morreu, não passou a matemática e foi operado ao joelho. Se a isto juntarmos os desgostos amorosos, temos matéria suficiente para pôr de pé um festival da melancolia.
Tratado existencial aos quadradinhos, “Desvio” apresenta-nos à finitude e à forma como lidamos com esta curta viagem terrena e a antecipação do futuro, num combate diário contra o banal e a rotina, travando a incessante busca pela identidade e por cumprirmos com qualquer coisa que ainda não sabemos o que é – mas que está lá, escondida num recanto daquilo a que alguns gostam de chamar alma. Para ler enquanto o disco “Unknown Pleasures” vai rodando nos vossos headphones.
2 Commentários
Bom trabalho.
Mas… diz-se “levantar o moral”, moral com o sentido de ânimo é masculino. No feminino, moral, a moral, significa ética.
Votos de muito sucesso.
Olá Maria, é mesmo isso. Anotado e corrigido. Obrigado pelo reparo e pelos votos de sucesso 😉