Em 2022, com o selo da G. Floy, chegava às livrarias “Reckless” (ler crítica), o resultado de uma parceria entre dois colossos dos quadradinhos: Ed Brubaker e Sean Phillips, criadores de monumentos como Criminal, Fatale, Kill Or Be Killed ou Pulp. Nesse primeiro livro da série Reckless, saltavam à vista as cores vivas de Jacob Phillips ou o traço grosso dos desenhos, que realçava ainda mais o seu lado cinemático – um pouco como tinha acontecido com Criminal.
O protagonista de Reckless dá pelo nome de Ethan Reckless, um tipo a quem se liga quando surge um problema comichoso, deixando num número alternativo ao 112 uma mensagem de voz no gravador. Se a história for boa, “aparece um tipo qualquer e consegue resolver-nos esse problema”. Se não for, a vida segue como dantes. Num passado que parece ser mais uma vida paralela, Ethan foi agente infiltrado do FBI, até que o rebentamento de uma bomba fez com que apenas se consiga lembrar das memórias mas não das sensações. A sua base de operações, que tanto serve de escritório secreto como de casa blindada, é um cinema abandonado ainda funcional, que Ethan recusa abrir ao público.
Nessa estreia, Reckless mostrava ao leitor aquilo com que poderia contar: drogas, crime, homicídios, diálogos com fel, ruas ensolaradas e boas reviravoltas, ao estilo de um esmerado policial noir. “Amigo do Diabo” (ler crítica), o segundo capítulo de Reckless, serviu-nos uma história habitada por skinheads, seitas religiosas, cultos satânicos e filmes manhosos, na qual Ed Brubaker deixava uma promessa: “Voltaremos em breve com o próximo volume de Reckless, com um tipo de caso totalmente diferente destes dois primeiros”. Pois bem, a promessa foi cumprida e com distinção. “Destruir Todos os Monstros” (G. Floy, 2023) é bem capaz de ser o melhor livro da série.
“1988. Foi o ano em que me comecei a sentir velho. Tinha trinta e sete anos e todas as manhãs acordava com uma sensação de rigidez e dores em sítios a mais”. São estas as palavras que passam pela cabeça de Ethan Reckless ao ver-se vercado pelas chamas, no cinema que para ele é muito mais do que uma casa.
A história principal deste “Destruir Todos os Monstros” gira precisamente em redor do cinema El Ricardo, a peça fundamental para compreender a relação de Ethan Reckless com Anna, uma miúda que vive com o cinema uma história de amor – as suas memórias mais felizes são as horas que passou com o pai na sala de projecção.
Uma vez mais, Ed Brubaker cozinha um policial capaz de servir de entrada, prato principal e sobremesa, acrescentando mais uma série de erros à lista de pecados de Reckless, mergulhando no mundo dos gangues e do racismo – e, pelo caminho, prestando uma homenagem ao cinema que não poderá passar sem uma continuação (ainda que não pelas razões mais felizes). Está no ponto, esta colecção.
Sem Comentários