Nestes tempos difíceis de pandemia viral e medos justificados, “Depois do Dilúvio” (Harper Collins, 2020) acrescenta grandes incertezas sobre a exacta abrangência da fragilidade do equilíbrio humano. O primeiro romance de Kassandra Montag consegue, pelo menos inicialmente, unir o drama viciante à confusão emocional, de um mundo onde a sociedade se reconstrói desde o zero.
O livro centra-se numa história na qual o nosso mundo sofreu uma transformação radical, no qual as mudanças climáticas sobre as quais os cientistas nos alertaram há anos aconteceram de facto. Depois de o oceano ter subido de forma lenta, invadindo progressivamente o continente, a água acabou por apagar do mapa as maiores cidades costeiras dos Estados Unidos da América, seguindo para o interior até só restar um arquipélago de cumes montanhosos, lugar onde proliferam colónias humanas, rodeadas por mar, de verdadeiros sobreviventes climáticos sujeitos a inúmeros perigos.
A personagem principal, Myra, é uma jovem mulher, independente e determinada, que há sete anos chora a perda da sua filha mais velha, Row, raptada pelo pai depois do dilúvio lhes ter engolido a casa. Os seres remanescentes daquela que era a sua humanidade vivem agora em “favelas apinhadas”, nos picos das montanhas, transformadas em pequenas ilhas onde o tráfico humano é predominante. Esta população sofre o risco do clima, da fome, da desidratação e dos ataques pelos piratas do mar.
Myra vive com a filha de sete anos, Pearl, num barco de pesca (Pássaro) construído à pressa pelo avô, já falecido, praticando a actividade piscatória – e só pisando terra para trocar provisões e informações naqueles redutos de uma civilização pré-existente. Para encontrar Row, que poderá estar no Circulo Polar Árctico, Myra e a filha embarcam numa perigosa viagem, juntando-se a residentes de um outro barco maior, suportando situações imprevisíveis e assustadoras.
A trama condensa violência, temeridade, perigos, segredos, luxúria, triângulos amorosos, traição e sangue. Porém, aquilo que começa por ser uma história empolgante, começa lentamente a esvair-se em lamentações repetitivas da personagem principal sobre dilemas éticos que envolvem a preservação do mundo natural, e o aparecimento de novos personagens, não totalmente desenvolvidos e estruturados, tornam a obra – que podia distinguir-se pela presciência bem fundamentada – num conjunto desintegrado e muitas vezes repetitivo de ansiedades colectivas.
Kassandra Montag é uma jovem escritora norte-americana, com mestrado em literatura inglesa, que cresceu na parte rural do Nebrasca. Tem publicadas obras de poesia e alguns contos premiados.
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