Mary L. Trump promete e cumpre: numa descrição exaustiva daquele que foi o ambiente familiar de Donald Trump ao longo da vida, em particular a sua infância e o início da carreira profissional, a sobrinha do ex-Presidente dos Estados Unidos da América revela a disfuncionalidade dos seus familiares e o perigo que isso representa para a família, o mercado e o mundo.
“Demasiado e Nunca Suficiente” (Porto Editora, 2020) foi publicado em 2020, mas esta obra já estava guardada há muito nas profundezas da alma da autora. Com um ressentimento enormíssimo contra o seu avô e o seu tio, o asco que sente e de que fala não nasceu apenas na governação de uma das maiores potenciais mundiais por uma das pessoas mais incapazes. Nasceu, sim, da dor que essas duas pessoas incutiram na família e, em particular, no seu pai, homem cujas dores psicológicas ao ponto de se demonstrarem fisicamente o enfraqueceram e e mataram.
Mary L. Trump é doutorada. Psicóloga clínica experiente. E espectadora na primeira fila daquilo que aconteceu no seio da sua família. Para além do que expõe sobre a forma como a sua família (não) se relaciona, é exímia em explicar por miúdos aquilo que a psicologia diz sobre Donald e os efeitos que a sua (péssima) educação surtiram. E, claro, escolhe bem as palavras para que o seu desdém seja visível em cada descrição que faz.
O livro é sobre Donald sem o ser. Vejamos: conhecemos a história dos pais de Donald, que emigram da Europa para os Estados Unidos da América e que, aí, fundaram os alicerces de um império incalculável. Descobrimos o vazio do pai de Donald e a passividade da mãe, que criam relações institucionais com cada um dos filhos, a quem exigem aquilo que consideram ser o melhor. Sabemos que a mãe de Donald esteve longe dos seus filhos, quando Donald era de tenra idade. Enervamo-nos ao assistir à humilhação do filho mais velho, proibido de ser livre, criativo, descontraído. Enfim, uma pessoa normal. Ficamos estáticos quando compreendemos que Donald apreendeu tudo o que precisava para sobreviver numa família sem amor mas com poder: o que importa é o que pareço. Por outro lado, a história não revela aquilo que Donald é, mas sim o que o levou a tornar-se quem é.
É, portanto, arrasador aquilo que nos fica: por um lado, um homem absolutamente imaturo, incompleto, incapaz, inculto, que arrasa nos negócios (entenda-se como quiser este arraso), que se torna Presidente dos EUA. Por outro, o que esta falta de empatia, a ignorância, a incapacidade para ler o próximo, um egocentrismo doentio e uma sociopatia profunda podem provocar a partir de um homem com tal poder.
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