Esta época, perdeu-se demasiado tempo a falar de André Carrillo quando, na verdade, o André que deveria ter estado nas bocas do mundo era outro – um que, além de jogar melhor, marca golos de toda a maneira e feitio: André Carrilho.
Como adianta Ferreira Fernandes no prefácio a “Dé-Jà Vu” (Arranha-Céus, 2016), “…quando temos alguma coisa para dizer, a surpresa e o símbolo (secar as coisas até ao âmago) são a melhor maneira de chegar.” E, mais à frente e como que se desculpando pelo palavreado gasto, “…é quase humilhante obrigar-me a esta avalanche de palavras, quando o efeito do cartoon se apanha num simples olhar.”
Em “Dé-Jà Vu”, álbum ilustrado que reúne uma impressionante colecção de cartoons do português André Carrilho, é visível esse instinto de matador, de alguém que, em poucos segundos, se posiciona no melhor sítio para não desperdiçar a oportunidade de fazer abanar as redes do mundo.
Com um estilo muito particular e absolutamente autoral, André Carrilho move-se em praticamente todas as esferas de um mundo à deriva: a economia e a desigualdade – alterações à reforma antecipada, a (falsa) ajuda à Grécia, a Troika e as privatizações; o social – a crise dos refugiados, a precariedade dos professores, as selfies e os ecrãs, a liberdade de expressão; a saúde – como aquando do surto do ébola; a religião – pedofilia, o olhar sobre a família; o espaço – a vida em Marte ou o aquecimento global; o futebol – Eusébio no céu, uma Copa envenenada ou a corrupção na FIFA; a política internacional – um olhar sobre a América, Guantánamo, a Primavera Árabe ou um olhar para países como a Venezuela, a Ucrânia ou a Guiné-Bissau.
Para além da qualidade ao nível do desenho e, sobretudo, pela forma criativa em como consegue em poucos traços condensar temas fracturantes e propensos a longas discussões, André Carrilho mostra como, de facto, o cartoon é uma arma. Uma edição com o selo da Arranha-Céus que tem todo o ar de livro de coleccionador – e a que não falta uma capa dura com o clássico relevo brilhante.
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