É o primeiro livro de Pedro Augusto Baía, “servidor público estadual e doutor em Psicologia Forense pela Universidade de Coimbra”, como se pode ler na curta apresentação da lombada. Reunindo 11 contos brevíssimos, “Corpos Benzidos em Metal Pesado” (Editora Record, 2023) levou para casa o Prémio SESC 2022 na categoria Conto.
Em Tanimbuca recita-se o verbo cortar, num retrato da destruição e do desespero humano com a bênção do mercúrio; Acremonium leva-nos até Lisboa, onde um sobrevivente urbano sonha com tornar-se biólogo, entre biscates eléctricos vários. Descobrimos, a dado momento, uma das motivações que terá levado à escrita deste livro: “…uma parte de minha história continuava desconhecida, sem nome ou imagem. Eu conseguia falar comente da casa dos meus pais, os tipos de peixes, qual a melhor época do ano para capturar o mapará com a pesca de borqueio, a safra do açaí e de miriti, as lendas”; Reza Benzida em Metal Pesado é a história de uma morta perseguida por um jornalista, uma demanda pessoal que levará esta última a encontrar os fantasmas e as vozes dos seus antepassados, descobrindo as memórias anteriores à devastação. Pelo caminho, recita-se uma oração de pesar: “Mercúrio, chumbo, alumínio, invasão silenciosa ao meu corpo. Estou enterrada aqui. Do útero para a sepultura, o meu corpo é o vestígio da invasão”; Maré Alta faz-nos entrar num táxi conduzido por um tipo intolerante, tudo para conhecer Alice, alguém que recusa o ambientalismo dos pais e, na sua estética fotográfica, se conecta com a destruição, fazendo arte dos escombros numa recusa da apropriação: “A minha arte é a tradução de um sentimento, e não de uma geografia”; Em Encantaria de Rio, na incerteza da luminosidade que se avista ao fundo ser de um barco ou de um vagalume, as ilhas encolhem e os rios desaparecem. Por entre o desejo de cachaça, o conselho chega pela boca de uma senhora saudosista: “Não olha para trás, meu filho. Continua remando…”; Memorial do Ano do Delírio é o flash de uma vida inteira a passar diante dos olhos, num jogo duplo com a palavra urna: o lugar onde se deposita o voto e um outro que serve de descanso eterno; O ano do delírio apresenta-nos a um estranho blogue com uma função onírica, onde pelo meio se encontram… hipopótamos. E um namoro que dá para o torto, à boleia das Memórias Póstumas de Brás Cubas num país à beira da ditadura; O Homem de Alumínio está perdido entre o negacionismo e o activismo ambiental, dois lados de um namoro que tem tudo para não resultar; Anjos de miriti é um retrato da pobreza e dos acidentes de trabalho, a partir de miniaturas de olaria – e de um anjo sem asas; Carne de boi leva-nos ao cultivo do açaí, num lugar onde os bois perdidos têm o poder do encantamento; a fechar está Fronteira, uma travessia trans sobre as águas por entre um toriteio cerrado.
A prosa de Pedro Augusto Baía circula segura entre a ruralidade e o meio urbano, num livro que é um olhar poético sobre a devastação ambiental e os desastres ecológicos, promovidos pela implacabilidade de metais que, em silêncio, instalam a morte, cabendo às histórias orais a fixação da memória colectiva. Um olhar cuidado e atento à cultura e à vida amazónicas, dentro e fora de geografias.
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