Encanto. Ternura. Magia. Amor. Amizade. Sensibilidade. Solidão. Filosofia. Palavras que ecoam no nosso interior ao ler “Contos de Encantar” (Ponto de Fuga, 2018), de E. E. Cummings, numa admirável tradução de Hélia Correia e uma notáveis ilustrações de Rachel Caiano. São quatro histórias de puro e intenso lirismo, escritas na década de 1920, que o autor dedica à sua filha.
“O velho que perguntava porquê” é o título do primeiro conto, que tem como protagonista um Silfo que vive “na mais longínqua das estrelas”. Após “ter vivido milhões e milhões de anos feliz e em sossego”, este simpático ser é abordado pelos vizinhos – “Será que esta gente toda vem ter comigo para me trazer os seus problemas? Que hei de eu fazer?”. O Silfo, que come luz e silêncio, “parou de voar e pousou na lua”, tentando persuadir o “velhote de olhos verdes e com mãos de boneca” a pôr um término aos múltiplos porquês.
Estamos no mundo dos porquês, das perguntas. As perguntas (con)vivem entre nós. Por vezes, andamos distraídos e não tomamos consciência de que questionar é uma outra forma de ler o mundo. Questionar é pura intencionalidade. O “homenzinho muito muito velho” continua a questionar “Porquê?”. Afinal, mais importante do que as respostas é parar para pensar.
“Era uma vez um elefante que não fazia coisa alguma o dia todo” é o começo de um gracioso e magnifico conto sobre um elefante solitário, que faz amizade com uma borboleta. Um conto sobre esperar de modo a saborear as palavras de um momento único: “Vou adorar seguir contigo pela estrada caracoleante abaixo até lá longe – vamos sair pela portinha da tua casa e descer os degraus os dois juntos – vamos?”.
“A casa que comeu tarte de mosquito” conta-nos a ternurenta paixão de uma casa que ficava isolada, no cimo de um monte, e que, certo dia, se apaixonou por um pássaro. Quão grande era a felicidade de os ver juntos.
A quarta narrativa, “A menina chamada Eu”, é singela e de uma graciosidade ímpar, onde Cummings nos apresenta a duas meninas: a Eu e a Tu. “Quem és tu? Tu. É quem eu sou (…) Eu chamo-me Tu”.
A nível visual, o laranja, o azul e o preto, as únicas cores que Rachel Caiano escolheu para legendar as palavras do poeta americano, empolam a imaginação do leitor e engrandecem este objecto-livro. As ilustrações, ora de página simples ora em página dupla, articulam-se de forma elegante com o texto.
E.E. Cummings nasceu em Massachusetts, Estados Unidos, e celebrizou-se como uma das vozes mais marcantes e inovadores da linguagem da poesia e da literatura no século XX. Publicou inumeráveis poemas, romances, diversos ensaios e vários desenhos e pinturas. “Contos de Encantar” constituem a única incursão conhecida na literatura para a infância, e só foram publicados originalmente três anos após a morte do poeta, há mais de 50 anos.
Hélia Correia é escritora poeta e tradutora. É como ficcionista que é reconhecida, apesar dos seus contos, novelas ou romances estarem sempre impregnados do discurso poético. O trabalho de tradução de Cummings exige tudo, segundo as palavras de Hélia Correia, aquilo que confessa não ter: “conhecimento, disciplina e método”. A escritora, que também assina o prefácio, descreve estas histórias como “textos jubilosos sobre o amor, o nascimento e o desfazer da solidão“.
Rachel Caiano é artista plástica e ilustradora. Tem formação multidisciplinar, que passa pela Arquitectura, pelas Artes Cénicas e pelo curso de Realização Plástica do Espectáculo pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa.
Sem Comentários