Se, no universo da literatura para adultos e das histórias e cadeia, As Mil e Uma Noites permanecem como uma das suas maiores invenções, no universo infanto-juvenil há um livro com a mesma fibra, espírito inventivo, humor e a capacidade rara de comprimir, muitas vezes numa única página, uma história que facilmente se poderia ter transformado em romance.
Publicado originalmente em Itália no ano de 1962, “Contos ao Telefone” (Kalandraka, 2019) tem como protagonista o Sr. Bianchi, um caixeiro-viajante de Varese que, “todas as noites, às nove em ponnto, onde quer que se encontrasse, (…) ligava para Varese e contava uma história à filha”. Isto porque Bianchi passava 6 dos 7 dias da semana a vender medicamentos, viajando um pouco por toda a Itália. Os contos que contavam eram curtos, porque os telefonemas eram pagos do seu bolso e custavam uma nota. Segundo a lenda, diz-se que também as telefonistas suspendiam todas as outras ligações, para também elas se deixarem levar por estas 70 histórias que misturam a doçura, o humor e o fantástico e onde está sempre presente um sentimento de dever cívico e de cordialidade, consciência social, um sentimento anti-belicista e a rejeição de qualquer tirania.
Ao longo desta fascinante viagem imaginada por Gianni Rodari vamos descobrir coisas tão incríveis como um prédio de gelado, com um telhado de chantili e chaminés de fruta cristalizada, de onde saía um fumo de algodão-doce; uma mulher que tem como passatempo – e obsessão – contar os espirros alheios; um país onde as esquinas das casas são arredondadas e os telhados terminam numa curva suave; um país onde os homens são feitos de manteiga e, por isso, não podem andar ao sol; um caranguejo que quer aprender a andar para a frente; ou um rapaz que faz perguntas tão pertinentes como “porque é que as nuvens não escrevem cartas?”.
As ilustrações de Pablo Otero parecem autênticos bordados, feitos com linhas de cores vivas em fundos cinzentos, numa prendada edição de capa dura que chega às livrarias portuguesas com o selo de qualidade da Kalandraka. Muito bom mesmo.
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