“Desta ilha de Lanzarote, com o mar pelo meio, mas com braços tão longos que alcançam a Bahia, nós, e os mais que cá estão, parentes e amigos, admiradores todos, vos enviamos muito saudar e votos valentes contra as coisas negativas da vida.”
Os contornos de uma amizade pura sob a forma de literatura: pode ser esta a descrição para uma obra recheada de cartas, notas e fotografias de dois expoentes da literatura da língua portuguesa. Jorge Amado e José Saramago trocaram correspondência entre 1992 e 1997 e, com um oceano de distância entre ambos, alimentaram a amizade através da palavra e da partilha. Possuíam, nesta altura, carreiras literárias consolidadas – Saramago estava próximo de ganhar o Prémio Nobel da Literatura (que veio a acontecer em 1998) e ambos conquistaram o Prémio Camões (Jorge Amado em 1994 e José Saramago em 1995) – e agendas preenchidas por eventos literários, mas nunca este “ruído” se intrometeu na dedicação que tinham um ao outro.
“Com o Mar pelo Meio. Uma Amizade em Cartas” (Companhia das Letras, 2017) retrata esta ligação e dá a conhecer cartas, faxes e outras mensagens inéditas – tantas vezes replicadas de forma exacta para autenticar o conteúdo da obra –, que abordam diversos assuntos: a participação em eventos literários e tantos outros temas pessoais, como o problema de visão de Jorge Amado a ser várias vezes referido ao longo da troca de correspondência, ou mesmo o questionamento sobre a conquista de premiações.
Às tantas torna-se também uma troca de correspondência entre famílias, já que as companheiras de ambos estão sempre presentes. É o lado mais humano destes escritores que é colocado à vista dos leitores, de forma a explorarem os Homens para além das suas obras. As fotografias e os excertos de “Cadernos de Lanzarote” são também uma riqueza para satisfazer a curiosidade dos leitores.
“Os ‘Cadernos de Lanzarote’ encantaram-me. Os comentários não cabem num fax apressado. Ajudam a medir a estatura do cidadão que escreve romances, que recria a vida.”
“Com o Mar pelo meio. Uma Amizade em Cartas” é um livro que mostra a amizade no seu estado mais puro e na forma de palavras, destinado aos admiradores de Amado e Saramago. Brasil e Portugal encontram-se mais uma vez, sem qualquer fronteira a separar. Só um oceano pelo meio que, no final, equivale a quase nada.
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