Partindo de um gosto pessoal do autor, que se assume consumidor compulsivo de humor e admirador confesso dos seus entrevistados, o jornalista e escritor Nelson Nunes teve, na escrita de “Com o Humor Não Se Brinca” (Vogais, 2016), o privilégio raro de conversar com alguns dos maiores humoristas da nossa praça sobre a arte de fazer rir. Assim, desfilam neste livro Nuno Markl, Rui Sinel de Cordes, Herman José, Luís Franco-Bastos, Ricardo Araújo Pereira, Joana Marques, Nilton, Salvador Martinha, José de Pina, César Mourão, Bruno Nogueira e João Quadros, e ainda alguns dos representantes das novas gerações como os Bumerângue. Uma palavra à parte para o prefácio de Filipe Homem Fonseca (também ele um humorista, apesar de não ser entrevistado nesta obra), que fornece abundantes gargalhadas.
As entrevistas seguem o mesmo fio condutor onde, após as típicas questões sobre o percurso biográfico e o trajecto profissional do humorista, se colocam sistematicamente as mesmas perguntas: quais os mecanismos do humor, qual a razão para a escassez de mulheres no mundo da comédia, que limites deve ou não ter o discurso humorístico, se as piadas funcionam melhor quando têm um alvo, ou como se manifestam as rivalidades no mundo do humor. Herman José sobressai naturalmente como figura tutelar e referência maior de todos os restantes humoristas, mas desde a criação do viveiro de guionistas chamado Produções Fictícias, passando pela febre do stand-up do Levanta-te e Ri até à mais recente geração de Youtubers, existe hoje em dia uma multiplicidade de canais, uma fragmentação dos públicos e uma grande diversidade de géneros humorísticos.
O trabalho de edição das entrevistas é competente, permitindo uma leitura agradável e escorreita, mas o autor também se expõe e opina frequentemente, num estilo que nem sempre funciona da melhor forma – sobretudo quando a voz do entrevistador se sobrepõe à do entrevistado. Apesar de a partir de certo ponto se sentir alguma repetição nas respostas – existe um largo consenso entre os humoristas, pelo menos do ponto de vista discursivo –, o leitor acaba por ser bastamente compensado pela riqueza das opiniões e das estórias que os nossos humoristas têm para contar. Merece referência a entrevista a Ricardo Araújo Pereira, pela forma particularmente articulada com que analisa e desmonta grande parte dos clichés associados ao ofício de fazer rir.
“Com o Humor Não Se Brinca” tem o mérito de dar a voz aos humoristas, constituindo um testemunho relevante do seu pensamento e um atestado da vitalidade do humor português.
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