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Colson Whitehead trouxe os bons malandros do Harlem à FLAD

Por Pedro Miguel Silva · Em 03/10/2022

Talvez o leitor não adivinhasse, vinda de um escritor que já levou para casa dois Pulitzers e um National Book Award, uma descrição tão descontraída e bem-humorada como esta: “Normalmente ando deprimido e em roupa interior pela casa”. As palavras pertencem a Colson Whitehead, um dos mais importantes nomes da literatura norte-americana da actualidade, que esteve na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) para falar sobre “Ao Ritmo de Harlem”, o primeiro volume de uma trilogia criminal publicado recentemente pela Alfaguara – editora que havia lançado os dois outros títulos do autor disponíveis no mercado nacional: “A Estrada Subterrânea” e “Os Rapazes de Nickel”.

A conversa, conduzida por Isabel Lucas, foi o primeiro Meet the Author, iniciativa da FLAD que consiste em encontros mensais com escritores norte-americanos de referência, com o objectivo de proporcionar aos leitores portugueses um contacto próximo com alguns dos mais conceituados escritores dos EUA.

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Colson começou por recordar a sua primeira passagem por Portugal, então em modo lua de mel – entretanto descartada e posteriormente repetida numa outra geografia -, antes de avançar com a leitura de um longo excerto de “Ao Ritmo de Harlem”, no qual somos apresentados, por entre costeletas e outros grelhados, a um criminoso chamado Pepper, uma das figuras marcantes de um livro que, para além de uma viagem pela marginalidade de bons e maus malandros que vão fazendo pela vidinha, é também uma carta de amor a este bairro nova-iorquino.

“Foi um mau ano para a ficção, toda a gente andava distraída”, brincou, após ser questionado sobre o primeiro dos dois Pulitzers que levou para casa, acontecimento que levou a que pudesse, com o tempo, deixar para trás o ensino e os trabalhos paralelos para se concentrar unicamente na escrita. Uma atenção literária que, diz, não o fez perder o seu mojo: “Sou uma pessoa reservada”. Frase a que acrescentou, como referimos no início, a propensão para vegetar em roupa interior pelos corredores de casa.

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A rejeição acabou por ser uma boa preparação e treino para a sua vida de escritor, que acabou por o conduzir à publicação de “The Intimist” (sem edição portuguesa) onde, apesar de reconhecer – como John Updike apontou numa crítica ainda assim elogiosa – um exagerado apreço por adjectivos – “Agora sou mais moderado” -, disse ter dado tudo: “O meu primeiro livro é o melhor que poderia ter escrito aos 27. Tento sempre fazer o melhor possível em cada livro”. O melhor e, como destacou, procurando evitar fórmulas ou repetições no tema abordado a cada um dos livros. “Gosto de variar o tema. De cada vez que escrevo quero fazer algo de novo. Apanho as minhas ideias de todo o lado, desde os jornais ao twitter, à vida real”, referindo os exemplos de Kubrick ou Bowie como o topo da reinvenção artística. Um percurso pessoal onde há, também, uma flutuação entre estados de alma: “Normalmente alterno entre um livro sério e outro com mais piadas”.

Prova de que os grandes escritores não tiveram de crescer a ler clássicos ou livros com o tamanho de volumes enciclopédicos, Colson falou um pouco do seu caminho enquanto leitor, fugindo sempre que podia ao exercício escolar a que o programa decidiu chamar desporto: “Gostava de ver a Twilight Zone e de ler comics, enquanto os outros miúdos praticavam desporto. Adorava Stephen King, e histórias sobre os X-Men ou o Homem-Aranha pareciam incríveis quando era jovem”. Colson deu outros exemplos de escritores que, como ele, cresceram entre comic books e histórias fantásticas, tal como Junot Diaz, e que não os impediu de escrever sobre coisas muito sérias. Ou zombies, tema do seu livro “Zone One” (sem edição portuguesa): “Gosto de zombies, o que importa é estar bem escrito”.

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Houve ainda tempo para falar de influências, do trabalho, método e materiais de pesquisa – “documentos escritos na primeira pessoa sao os melhores documentos históricos” -, do calão de William Burroghs e do seu “Junkie” como uma inspiração para “Ao ritmo de Harlem”, da escolha – uma vezes inspirada, outra transpirada – do nomes das personagens, dos criminosos como a sua praia – ao contrário dos polícias -, das muitas Nova Iorques que se escondem numa cidade que muda mas é sempre a mesma, da adaptação de “A Estrada Subterrânea” a série televisiva – “Acabou por resultar muito bem. Não estive envolvido, fiz apenas uma sugestão que foi ignorada. O que me deu a hipótese de olhar para o meu trabalho como se fosse a primeira vez” -, do Harlem caótico que espera ter conseguido capturar através de um ritmo “jazzy, staccato, fast, hard boiled”.

Falando da tendência europeia de os escritores assumirem, muitas vezes o papel de oráculos, Colson disse preferir uma pose mais discreta. “Eu sou narcisista mas não quero o meu nome nos jornais a falar disto e daquilo. Quando tenho algo a dizer coloco-o nos livros”.

Muito interessante foi a conversa sobre o processo de escrita e aquilo que torna um livro apetecível de ser lido. “Consigo dizer logo na primeira página se o escritor está no topo do seu jogo. Para mim tudo começa com a linguagem. Já escrevi livros sem grande plot, o mais importante é que o livro tenha uma voz e que essa voz surja logo na primeira página. Já cheguei a mudar a voz do narrador na página 80, refazendo todo o caminho feito. O primeiro parágrafo de “Ao Ritmo de Harlem” deu-me uma trabalheira danada. A primeira página deve apontar para o desenlace final, para os temas que serão explorados até ao final. Tenho sempre o fim escrito, à vista. Não tenho uma musa, ficou presa no tráfico de Nova Iorque”.

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Já no momento das perguntas do público, quando confrontado sobre o que distingue um grande escritor de um escritor não tão grande assim, Colson preferiu referir que são várias as razões e qualidades que nos prendem a um livro: “Por vezes e a voz, outras vezes e a trama, outra a linguagem. O “Ulisses” de Joyce, por exemplo, são só dois tipos a andar de um lado para o outro um dia inteiro”. Um primeiro Meet the Author e peras.

Para os tempos mais próximos estão já confirmadas as presenças de Anthony Marra (“O Czar do Amor e do Tecno”, Teorema), Joshua Yaffa (“Entre Dois Fogos”, Relógio D’Água), Hanya Yanagihara (“A Little Life”, ainda não publicado em Portugal), Valeria Luiselli (“Deserto Sonoro”, Bazarov) e Brit Bennett (“A Outra Metade”, Alfaguara). A sessões irão decorrer uma vez por mês, no auditório da FLAD, em Lisboa. Os autores convidados vão ser entrevistados pela jornalista Isabel Lucas, também autora de “Viagem ao Sonho Americano” (Companhia das Letras), onde procura entender a América através dos livros.

 

Fotos: Inês Correia de Matos

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Pedro Miguel Silva

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