“Não, não se trata de ver mas de sentir”. As palavras são de Baru no prefácio a “Cinco Mil Quilómetros Por Segundo” (Devir, 2018), uma banda desenhada atravessada pela melancolia e habitada por três jovens: Piero, o tímido, Nicola, o devasso, e Lucia, que aparece para revolucionar a vida de ambos, ao estilo de um Jules et Jim aos quadradinhos.
Escrito por Manuele Fior, o livro viaja entre o passado e o presente, entre o sonho e a realidade, mostrando como o caminho do amor e do desamor está separado por passagens estreitas e quase invisíveis, e que um pé em falso ou ao lado podem levar a um futuro pouco risonho – a adolescência não dura, afinal, para sempre. Ou, como diz uma personagem a certa altura, “Não se trata de uma questão de liberdade ou felicidade. Mas de fazer a escolha certa”.
Depois de apresentados aos três personagens, saltamos uma década no tempo a caminho da Noruega, onde Lucia se encontra a estudar Literatura, escrevendo uma tese sobre Ibsen. Na casa de Hilde, alguém que se descreve como “uma baleia gorda na menopausa” e que tem um ditado que vai bem com tudo – “não existe nenhum problema que não possa ser esquecido com álcool” -, escreve uma carta reveladora a Piero, onde de forma decidida diz isto: “Já não te amo”.
Marcado pelo fim da relação, Piero torna-se um eterno viajante, entregando-se à arqueologia de modo a esquecer o passado, correndo o risco de se tornar um estrangeiro tanto na terra onde nunca pertencerá como naquela que deixou para trás. Até que, numa situação-limite, a escolha certa parece ser outra vez possível.
Num livro sobre como as distâncias servem para testar relacionamentos ou inventar novas ligações, cercado pelo eterno devir e os desejos fora de tempo, Manuele Fior ilustra a melancolia de forma expressionista, como se estivesse sempre a chover para lá de uma janela onde há um bater constante. É também incrível a forma como as aguarelas ganham vida própria e distinta consoante a paisagem que habitam, tanto no traço como, sobretudo, nas cores, que se na Noruega se tingem de um azul gélido no Egipto caminham para um tom ocre, pintalgado a espaço de cores tímidas. Nunca a melancolia foi tão bem ilustrada.
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