No mundo da literatura portuguesa, e se quisermos traçar um paralelismo com o universo do futebol, há um escritor que nos tem habituado a estar sempre na disputa pela Liga dos Campeões, tendo já levado para casa o troféu por algumas ocasiões. Fala-se aqui de Gonçalo M. Tavares, criador de distintos, estranhos e fascinantes universos literários, entre os quais está o das Mitologias, que mistura homens, máquinas, animais e objectos num mergulho de chapão no século XXI, e que reinventa, de forma algo tresloucada e sem uma geografia conhecida, as histórias começadas por “Era uma vez…”.
Em “Cinco Meninos, Cinco Ratos” (Bertrand, 2018), parecemos estar dentro de uma história dos manos Grimm, onde cinco crianças atravessam um lugar do mundo onde há valas comuns, apenas com o desejo da sobrevivência a povoar-lhes a mente e testando, cada um à sua maneira, os limites do medo.
Nesta floresta onde o receio, o mal e as tentações humanas estão na linha da frente, não faltam os encontros com personagens bizarras: o Homem-do-Mau-Olhado, que por detrás das pragas eternas esconde alguma bondade – e que apenas deve ser encarado na parte da noite; o Homem-Mais-Alto, que lidera uma revolução que irá dar-se pela velocidade; os Homens-com-a-Cabeça-Perto-do-Chão, recolhidos em camionetas velozes; o Homem-com-a-Boca-Aberta, um louco que ficou assim depois de uma operação que deu para o torto; o clássico caçador, que povoa muitos dos contos tradicionais contados como embalo para uma noite de sono; ou um Comboio que não gosta de humanos, qualquer coisa como uma máquina a desempenhar o papel de bicho-papão.
É um livro estranho e que convida a múltiplas leituras, onde o leitor tentará escapar ao jugo de máquinas famintas e vingativas, refugiando-se em igrejas minúsculas onde mal cabe um corpo por inteiro. Se fosse um disco, este “Cinco Meninos, Cinco Ratos” seria sem dúvida o “Merriweather Post Pavillion” dos Animal Collective. Aventurem-se neste labirinto, intrépidos leitores.
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