Uma maldição parecia ter-se abatido sobre Greg Gonzalez no verão de 2012 – o barbudo vocalista dos Cigarettes After Sex perdeu subitamente dois amigos próximos, um atrás do outro. Pouco antes, tinha rompido com um namoro de sete anos. O rescaldo desses tempos negros fez-se, na altura, com quatro canções, reunidas no EP “I”.
À boleia de temas como “Nothing’s Gonna Hurt You, Baby”, os Cigarettes After Sex passaram de músicos obscuros a banda-sensação do youtube, com milhões de visualizações, conseguindo gerar uma sólida base de fãs – isto ainda antes de lançarem “Cigarettes After Sex” (Partisan Records, 2017), o álbum de estreia homónimo, editado em junho deste ano.
Entramos no disco com “K.”, uma ode sincera e íntima à musa de Greg, Kristen. A primeira coisa que se cola aos ouvidos é a voz peculiar do cantor, andrógina e suave, a dançar nas sombras, acompanhada por uma guitarra espaçosa. Flutuando neste caldeirão de dream pop encontramos de imediato uma série de referências, sendo os Beach House e os Mazzy Star os pontos cardeais mais óbvios.
A sonoridade é tranquila, mas não monótona. Os arranjos jazzísticos denotam bom gosto e elegância, desde a discreta percussão até às linhas de baixo ondulantes. David Lynch e a música de Twin Peaks também são alusões frequentes – “Each Time You Fall In Love”, por exemplo, transpira Julee Cruise por todos os poros.
Prosseguimos a audição com receio que se instale algum marasmo, mas felizmente não é o caso. Pequenas pérolas de sedução como “Apocalypse”, (com um inesperado cenário de filme-catástrofe), “Flash” e “Sweet” mantêm o interesse desperto. É um disco construído com elementos precisos, bem doseados – a percussão é particularmente feliz, como se ouve no início de “Truly”). O quarteto criou uma colecção de canções que, apesar da constante serenidade, é aliciante do princípio ao fim.
Ouve-se “Opera House” e o que vem à memória são as amplas paisagens de guitarra características dos Cocteau Twins. Pelo menos até à entrada da voz, que lembra cantoras como Margo Timmins (dos Cowboy Junkies) ou Françoise Hardy, assombradas pelo venerável espectro de Leonard Cohen.
Os Cigarettes After Sex existem para viagens de carro nocturnas e bandas sonoras de velhos filmes a preto e branco. No coração dos seus temas está um certo minimalismo, perfeitamente adequado às letras românticas e sentimentalistas de Greg Gonzales. Numa época dominada pela vacuidade e pelo cinismo, um trabalho tão honesto como este faz figura de raridade: há-que apreciá-lo.
Sem Comentários