Teresa Veiga é uma narradora extraordinária, capaz de associar relatos simples e nítidos a enredos complexos e epílogos inesperados, dotada do atributo de revelar o que não é evidente – tudo isto conjugado de forma natural. O resultado é a captura do leitor, que se vê ele próprio infecto, contaminado pelos personagens, pela(s) história(s) e pela expectativa de desenlear o que se passa.
Em “Cidade Infecta” (Tinta da China, 2020), Teresa Veiga pega em quatro personagens centrais, constituídos por dois casais – Anabela e Rogério, Raquel e Pedro -, e lança-os em passados e presentes secretos, momentos de intimidade, casos e relações de (des)amor. No cômputo, desventuras de quem ama e quer ser amado, mas acaba por se manter em relações tóxicas, por vezes violentas.
Numa pequena cidade do interior, vivem duas mulheres que gerem, de forma diferente, as evidências de se encontrarem a viver relações comprometidas, entre o desalento e a guerrilha, de projectos de família falidos. Vivem também dois homens, que transferem para as mulheres a sua frustração pessoal, forçando-as a serem espelhos dos seus falhanços e desilusões: na família, no trabalho, no social, no seu corpo e nos seus desejos. À volta de ambos, mulheres e homens, gravitam forças várias, de interesse, intriga e oportunismo, que se alimentam e instigam à clivagem e ao conflito.
Numa pequena cidade do interior, Anabela e Raquel cruzam-se num curso de informática, desafiam-se numa ligação improvável, sendo uma sofisticada e citadina e a outra recatada e provinciana. Ambas arrastam sonhos e desejos insondáveis, que não precisam de verbalizar para adivinharem na outra; ambas escondem como podem a frustração de vidas a que estão aprisionadas; ambas procuram respeito, reconhecimento e estatuto. Duas mulheres com afinidades, “casadas há cinco anos, sem filhos, nem esposas amantes nem bem-amadas, malvistas ou, melhor dizendo, odiadas pelos sogros, bastante bonitas, inteligentes, ambas descontentes com a sua sorte e dispostas a agir para mudar“; ambas feridas no amor-próprio e nas expectativas de vida, lutando pela sobrevivência ao desencanto; ambas embarcadas em relações perversas e instrumentalizadas, com gente que carrega sonhos e frustrações em doses maiores do que as suas capacidades de comunicar e de viver.
Oliveira, epicentro desta história, é um local de tradições e de pacatez, onde esta dupla de mulheres desenvolve uma amizade improvável, dadas as suas diferenças em termos de origens e de quotidiano. O desenlace será diferente para ambas, ditado pela sorte e pela bagagem que cada uma trazia em si e que lhe serviu de arma para sobreviver (ou não), em relações abusivas e dominadoras. Como a vida dos seus habitantes mais discretos, também a cidade vive momentos de uma agitação improvável, ditada por um primeiro crime por desvendar, um bando de jovens no limiar da marginalidade e, por fim, mais uma tragédia.
Teresa Veiga, nascida em Lisboa no ano de 1945, escreveu “Cidade Infecta” em 2020, em pleno confinamento, metaforicamente acompanhada pelo isolamento, a falta de liberdade, o medo e a resiliência. Ela própria personagem discreta e reservada, pouco adepta de cerimónias públicas e entrevistas, já foi por diversas vezes premiada, merecedora de um respeitoso acolhimento pelo público e pela crítica.
Sem Comentários