De que falamos quando falamos de adolescência? De Confusão? Vazio? Emoção? Aventura? Rebeldia? A todos os que estão a viver num turbilhão de sentimentos e estados de alma, a todos os que se questionam sobre a adolescência, recomenda-se a leitura de “Ciclone – Diário de uma Montanha-Russa” (Orfeu Negro, 2019).
Miguel Fragata e Inês Barahona exploram a experiência da adolescência em contexto escolar, workshops de teatro e em diversas actividades, com jovens que permitem um contacto privilegiado de (con)viver com a adolescência. Desta comunhão nasceu o espetáculo Montanha-Russa, que esteve em exibição, em Março de 2018, no Teatro Nacional D. Maria II, e que inspirou o livro.
“Ciclone – Diário de uma Montanha-Russa” é um diário emocional, escrito a quatro vozes, duas femininas – Carla e Anabela – e duas masculinas – M. e Bernardo -, entre os 13 e 19 anos, vivido em quatro épocas distintas.
“Querido diário,
Acho que deve ser assim que começam todos os diários …
Vi-te na montra da papelaria e não resisti. Ainda por cima, cheiras bem!
Vou fazer o que é costume fazer num diário: eu escrevo e tu ouves.”
(Carla, 1989)
(…)
“Querido diário,
Estas férias estão a ser um fastio. Não se passa nada. Estou de férias há meia dúzia de dias e já não aguento esta casa.”
(Anabela, 1973)
(…)
“Decidi começar a escrever este diário, esta carta, para dar voz à minha história, como o meu bisavô fez.”
(M., 2000)
(…)
“Decidi criar um blogue. (…) Na verdade, nunca tive um diário. Aquela ideia de estar a escrever só para mim nunca me agradou. Acho que não tem interesse nenhum.”
(Bernardo, Ciclone.blogspot.com)
Escritas diferentes. Estilos distintos. As raparigas escrevem em voz alta nos seus diários, como se um diálogo se tratasse. O M. escreve uma carta e, o mais jovem de todos, partilha o seu blogue. Os rapazes apostam num diário que é feito para partilhar com os outros: diferente da escrita diarística, onde se valoriza a reflexão sobre o quotidiano, uma espécie de desabafo, um diálogo de nós para nós, face à incomunicabilidade e à incompreensão dos outros.
Neste diário a quatro vozes, em quatro épocas distintas e em quatro lugares no mundo, separadas por aproximadamente uma década, as emoções em turbilhão, as expectativas, a euforia à flor da pele, o medo ou a angústia que paralisa, as impressões e desilusões vividas e registadas, em papel ou em digital, as subidas e descidas estonteantes encaminham-se para a vida adulta, como se fosse possível sintetizar a vida a uma simples viagem de montanha-russa. Recordando as palavras de Bernardo, “A minha eterna paixão, quase obsessiva, por montanhas-russas. Sempre o vício da velocidade, de vertigem. Sempre a pressa. O limite. Sempre achei que, se fosse uma máquina, seria uma montanha-russa”.
Muitos são os desafios da adolescência. Ser adolescente é ter oportunidades únicas para fazer experiências com o mundo, connosco e com os outros. Ser adolescente é crescer. Crescer num tempo maravilhoso e inestimável. Ser jovem é uma dádiva, não uma provação.
A ilustração de Mariana Malhão alimenta o movimento do ciclone. Traço expressivo, cores que transparecem sentimentos melancólicos, angustiantes, enigmáticos, de tranquilidade temporária ou fragmentados de frases riscadas, como se de um acto de arrependimento se tratasse, para permanecerem na intimidade de uma experiência única. Ou, ainda, páginas duplas com riscos e rabiscos, sem nada dizer, mas que deixam transparecer inquietação e dessossego.
Inês Barahona e Miguel Fragata criaram a companhia de teatro Formiga Atómica, em Lisboa, em 2014. Assinam em conjunto o texto e a encenação dos seus espectáculos, que têm sido apresentados em diversos teatros e festivais nacionais e estrangeiros. Gostam de reflectir sobre temas actuais e urgentes e de criar projectos artísticos para todos.
Marina Malhão é ilustradora e designer. Tem participado em vários projectos e edição independente, e é co-fundadora da galeria Senhora Presidenta, no Porto.
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