A 2 de Janeiro de 2024, numa publicação no facebook intitulada “Estava a ver que nunca mais chegavas, 2024”, Manuel Jorge Marmelo partilhava com os seus leitores dois eventos que jurava não conseguir esquecer tão cedo. Primeiro, a missiva entregue Porto Editora, que falava de Marmelo como – palavras do autor – “um autor que não se vende e que provoca prejuízo ao conglomerado”. Quanto à Quetzal, “que há muito concluíra pela minha irrelevância e pela minha inutilidade, anunciou por e-mail que decidira destruir todos os exemplares dos meus livros que ainda vegetassem nos armazéns”.
Ao invés de atirar com a caneta e o tinteiro às urtigas, Manuel Jorge Marmelo cerrou fileiras e fez-se à vida, encarando 2024 como uma espécie de ano zero da escrita. No limite temporal entre 2023 e 2024, numa edição de autor servida em capa dura, publicou “Cibergramas da Baviera” (Edição de autor, 2024), livro escrito em cooperação com a residência internacional de artistas Villa Waldberta/ Artists in residence Muniche/Bayern liest e.V., que compilava as crónicas escritas durante a sua residência artística na Baviera. Crónicas que oferecem ao leitor uma reflexão íntima sobre diversas questões da vida contemporânea, naquilo que é também uma observação atenta da geografia que então o cercava: “Às vezes escuta-se um pássaro, o rumor do vento nos altos pinheiros – e mais nada murmura no dulcíssimo Outono da Baviera”.
Ao longo de um compêndio de páginas não numeradas, Marmelo navega em piloto não automático, referindo a multiplicidade de ficções que um lugar como Feldafing – “campo de macacos” ou “aldeia de macacos” – apresenta ou, logo a seguir, confessando ter inventando uma passagem literária sobre um lugar escolhido ao acaso no Google Maps, que decidiu não visitar em nome da ficção.
Acompanhamo-lo na leitura diária dos jornais, na subida da colina onde Thomas Mann escreveu alguns capítulos desse monumento chamado “Montanha Mágica”, num passeio entre villas e chalés, Porsches e mão-de-obra emigrante. Vêmo-lo olhar, a uma distância confortável e por entre um nevoeiro tão denso, para Portugal. Escutamo-lo a falar de fenómenos atmosféricos, paisagens ou curiosidades históricas, por entre a fruição de geleias e gelatinas e tendo, em “Abelhas Cinzentas” – livro de Andrei Kurkov -, um companheiro literário para qualquer infortúnio.
Desde este “Cibergramas da Baviera”, Manuel Jorge Marmelo publicou já dois outros livros, apenas disponíveis na Amazon de nuestros hermanos por se tratarem de uma “edição caseira e, por isso, incompatível com as margens de lucro praticadas pelas livrarias”. São eles “Um Tão Brando Amor”, livro recentemente editado que reúne seis contos, e “Suporte Básico de Vida”, uma colecção de poemas. Sigamos as pegadas de Manuel Jorge Marmelo que, recriando livremente um poema de José Régio, parece ter esticado o dedo do meio ao mundo literário, deixando-se abraçar pelos tentáculos de Jeff Bezos.
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