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Castelos Perigosos, Louis-Ferdinand Céline, Deus Me Livro, Crítica, E-Primatur,
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“Castelos Perigosos” | Louis-Ferdinand Céline

Por Isabel Daires · Em 23/05/2025

“Eu estava um pouco abalado… ou melhor, foi um choque dos diabos!… pudera!… a Europa inteira atrás de mim!… sim, a Europa inteira!… e os amigos!… a família!… todos a ver quem me esfolava mais!… sem me dar tempo de dizer uf!”

Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) manifesta furiosamente a sua revolta. Sabe que o seu nome se tornou infame, devido ao anti-semitismo assumido e à adesão ao regime colaboracionista de Vichy, na França ocupada pelos nazis. Todavia, depois de cumprir uma pena de prisão na Dinamarca, na sequência de um mandato de captura emitido por um juiz francês em 1944, sob acusações de traição, regressa a França e sente-se o único verdadeiro perseguido, enquanto outros que colaboraram com o poder vigente durante a Ocupação nunca sofreram represálias.

“Castelos Perigosos” (E-Primatur, 2025) é uma narrativa autobiográfica dessa experiência, onde encontramos na miséria um Céline já sexagenário, que não consegue voltar a publicar nem ganhar devidamente a vida exercendo a profissão de médico, sendo poucos os doentes que o procuram. Acredita que o usam como “bode expiatório dos racistas ali da frente” e vê-se incapaz de contornar a terrível reputação que o persegue – chamam-lhe “velho facínora”, “decrépito”, “presidiário”, “maledicente”, e pelo menos parte disto é verdade, a avaliar pelos factos e pela atitude que o próprio toma aqui, praguejando e insultando políticos, editores e outros escritores em termos bem coloridos: “merceeiro sórdido, implacável, um bruto chapado… só consegue pensar em guita! mais guita! mais ainda!”.

Com uma esposa também envelhecida e uma miríade de animais de estimação – cães, gatos e pelo menos um ouriço –, angustia-o a perspectiva de deixar a mulher indefesa depois da sua morte. Embora os livros já não se vendam, pilham-lhe a casa, vandalizam-lhe os bens e, segundo crê, roubam-lhe manuscritos, esperando que tenham valor após a morte do autor: “o que eles esperam é que eu morra, os velhos amigos […] uns e outros, todos eles, arrecadaram manuscritos, papéis, fragmentos, no momento da grande pilhagem […] pensam que comigo morto os meus livros vão sair das caves”.

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Entre privações, “o ressentimento toma conta de nós, o azedume, o ódio… quando todos esses porcos nos enlameiam!…”. O pensamento dispara em várias direcções, ora alucinando com o mito de Caronte e a sua barca dos mortos, como remoendo recordações de eventos passados em Siegmaringen, cidade alemã onde membros do Governo de Vichy e seus adeptos se exilaram a dada altura, naqueles que são os capítulos politicamente mais interessantes da obra.

É digno de registo o trabalho da tradutora Clara Alvarez, cujas notas fornecem uma contextualização imprescindível à compreensão das referências que o autor faz. A escrita desabrida e visceral, repleta de exclamações e reticências que procuram reproduzir o fluxo da consciência, torna-se frequentemente repetitiva, mas a ironia sombria usada na caracterização da sociedade francesa é implacável, alimentada pela raiva avassaladora de alguém que se colocou no lado errado da História.

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Isabel Daires

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