Com “Casa de Família” (Fábula, 2024), Sophie Blackall volta a encantar-nos com mais um excelente livro, onde a luminosidade e os detalhes são preciosos para recriar, de forma magistral, ambientes habitados por afectos e memórias.
A família, os espaços e as relações que temos uns com os outros são temas que marcam as narrativas de Blackall. Desta vez, a autora convida-nos a entrar numa casa, conhecendo as suas divisões e todos os recantos, para não nos esquecermos que este talvez seja o lugar mais importante do mundo. Nela começam e acabam os dias. Em casa, encontramos um porto de abrigo, descobrimos e desvendamos os mais íntimos segredos. É nela que recordamos o passado e projectamos o futuro.
Ao abrir “Casa de Família”, o leitor conhece a quinta e a casa que fica “para lá de uma montanha, no fundo de uma entrada, à beira de um riacho cintilante que serpenteia pelos campos”. Ao virar a página, o leitor já está dentro da casa, onde habitaram “doze crianças nasceram e cresceram, onde aprenderam a gatinhar no pequeno vestíbulo, onde posaram sentadas nos degraus da escada de madeira e onde foram medidas, ano após ano, com riscos numa ombreira, onde esculpiram batatas que mergulharam em tinta, para estampar as paredes com flores e folhas…”.
Ao aceitar o convite, o leitor caminha vagarosamente pela casa onde as crianças perderam os dentes e escovaram o cabelo, aprenderam a colher maçãs e a fazer tartes, onde puseram a mesa e obedeceram à mãe, onde sussurraram segredos, descobriram as primeiras leituras e ecoaram gargalhadas. Onde cresceram e se tornaram adultos, de onde partiram para estudar, abraçar novos desafios ou, simplesmente, para ver o mar. Esta é uma casa como muitas casas. Como as nossas casas, onde habita o amor e as recordações.
Um dia, a casa sentiu a solidão, “acomodou-se nas pedras, o que vergou ligeiramente as suas vigias e o seu esqueleto, fazendo a porta entreabrir-se, deixando entrar o vento” Um dia, mais tarde, ao entrar na antiga casa da quinta, Sophie Blackall recolhe o que ainda resta: “retalhos de papel de parede e livros empapados de chuva e mapas a desfazerem-se vestidos cobertos de lama e lenços e um botão que já tinha sido uma concha no mar”. Objectos que honram as memórias, as vidas e que inspiraram este livro extraordinariamente belo. Retalhos que renascem pela mão de Sophie Blackall, e que continuarão a contar histórias e a encantar pequenos e graúdos.
As deslumbrantes ilustrações são feitas com as memórias que resistiram ao tempo, que teimaram ficar em casa e ressuscitaram com lápis de cor, aguarelas, tinta-da-china, pincéis e muita imaginação. Um livro para todos aqueles que guardam, nas suas casas, histórias incríveis. Um livro emotivo e de grande sensibilidade, para todas as famílias.
Sophie Blackall é uma artista australiana e ilustradora de livros infantis. Vive e trabalha em Brooklyn, Nova Iorque. Conquistou vários prémios, como o Ezra Jack Keats Award e duas vezes a Medalha Caldecott. Formada em Design, Sophie já ilustrou mais de 30 livros para crianças. O seu trabalho inclui também animação e ilustrações para a imprensa. É autora de “Olá, Farol!” e “Se Algum Dia Vieres à Terra”, ambos com edição nacional.
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