Solitário e poeta do indizível (como fixou em poema Manuel Alegre), Rainer Maria Rilke encontrou na instrospecção o caminho para a arte e é hoje considerado um dos maiores poetas da língua alemã. Sem o pânico aparente muitas vezes dado à solidão, procurou munir-se das virtudes necessárias para cumprir a sua vocação – escrever. Visto como um manual indirecto para aspirantes a poeta (na verdade, apropriado a qualquer artista), “Cartas a um Jovem Poeta” (Antígona, 2016) é, quiçá, o menos intencional e mais eficaz livro de auto-ajuda, em torno do acto criador e do desespero que lhe é inseparável. Poder-se-á dizer que é o único livro motivacional que um escritor precisa.
A correspondência de Rilke com Franz Xaver Kappus, jovem poeta e militar na intermitência de novas frentes, transmite um zelo do primeiro para o segundo, novato no domínio da linguagem poética, fruto de alguma inexperiência. Kappus parece oferecer resistência à inerência solitária de escrever, sendo, portanto, objecto de uma atenção minuciosa por Rilke. Oscilando de forma única entre passagens densas, envoltas de alguma ambivalência semântica que o improviso da carta permite, e a simplicidade lúcida de uma voz sábia e intemporal, Rilke tem a oportunidade de transmitir alguma da sua experiência sobre o dedicar de uma vida à arte/escrita.
Os traços psicológicos que se associam a esse rumo vocacional – superar o vazio, aprendendo a ter-se a si mesmo como a melhor companhia – traduzem-se numa vontade incontrolável, a de estar pronto para escrever a qualquer altura, sem dar descanso ao génio, vontade essa que deve ser respeitada e usada como primeiro princípio para todo o acto criador. Enquanto Kappus parece (e só o percebemos pelas respostas de Rilke, não são publicadas as cartas que originam as respostas do Poeta) lidar mal, de forma obsessiva, com a solidão e a forma como esta lhe afecta as relações humanas, é à medida que as respostas de Rilke tardam e as datas se separam cada vez mais que há espaço para um certo desânimo e repetição na prosa, parecendo querer incutir em Kappus a matéria dada. As cartas, embora revestidas com toda a cordialidade do mundo, tornam-se num sugar de forças para o Poeta, que insiste que o rumo são as palavras e que a viagem é de uma, e apenas uma pessoa.
Com nova roupagem, desta feita pela Antígona (que é eficaz, como habitual, quer na parte gráfica como no conteúdo, bilingue), há espaço para um comentário crítico sobre o “Eu rilkiano” no final, da parte do tradutor José Miranda Justo, complemento sempre bem-vindo que enriquece estas edições, de outro modo mais magras. “Cartas a um Jovem Poeta” é um companheiro de cabeceira ou bolso, que após uma primeira leitura integral serve para redescobertas em páginas aleatórias, de onde se recolhe preciosos excertos que resultam por si só.
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