Acompanhamos Maria e Giosué, sempre entre cafés amargos, tendo no amargo a metáfora para os períodos da vida que menos nos adoçam as horas e os dias. A vida de Maria, bem como a de todos ao seu redor, foi feita de períodos conturbados: a entrada no século XX e as suas duas guerras criaram ambientes menos propícios a se manter fortunas e amores; ainda assim, Maria e Giosué foram capazes de fazer as suas vidas e de gerir um amor à distância.
A escrita de Simonetta Agnello Hornby é detalhada e carregada de factos históricos – a certa parte talvez até de mais -, tornando-se por vezes quase panfletária e enciclopédica, o que quebra o ritmo de leitura e o ambiente de romance. No entanto, a História é talvez mais personagem do que a história familiar dos Sala ou dos Marra – e até mesmo mais do que o romance clandestino.
A energia vital de Maria nem sempre é bem vista, tanto perante os costumes de época como de acordo com as tradições de uma sociedade emburguesada que espartilha as mulheres, vergando-as à força dos maridos e das famílias. No entanto, Maria foi educada numa família socialista e as suas ideias são mais mundanas, mais terra a terra. Uma parte muito curiosa deste “Café Amargo” (Clube do Autor, 2017) é a forma como ela negoceia o contrato de casamento com Pietro, ou como deseja amamentar os seus filhos.
“Primeira: amo os meus familiares e quero visitá-los muitas vezes, recebê-los em minha casa e ir a casa deles. Segunda: obedecerei ao meu marido, mas farei todas as observações que considerar oportunas e espero que ele as tome em consideração.
(…)
– Desculpe, mas estava a esquecer-me de uma última condição, a sexta: não sou mulher da sociedade. Gosto de estar em casa, mas acompanharei o meu marido nas suas viagens. Desde que, onde quer que esteja, possa tocar piano todos os dias.”
“As irmãs descreviam a Pietro a sua vida futura de forma pessimista: não poderia receber os convidados, muito menos viajar, a menos que Maria quisesse apresentar-se perante os outros com a filha ao peito, como os pobres.”
As cunhadas de Maria são quem mais lhe amargam a vida, mas a sociedade e o seu curso histórico também fazem a sua parte, sem esquecer a localização geográfica. A Sicília rege-se ou pela Máfia ou contra ela e, nesse sentido, o livro tem alguns detalhes curiosos. Ainda assim, mesmo sendo um romance histórico, este “Café Amargo” peca por excesso na quantidade de informação. O final é expectável e o café, finalmente, já pode levar açúcar.
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