“Cada um com o seu contrário num sujeito”, é um verso da Canção VII – “Manda-me amor que cante docemente” – que dá nome ao ensaio apresentado em maio de 2005 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado então no Brasil e, agora, apresentado e publicado pela editora Abysmo. Pequeno mas denso, é um ensaio que nos convida à (re)leitura de textos clássicos e da obra de Camões. Um texto que nos interpela, na tentativa de compreender a história e a natureza humana, e onde questões como a originalidade, a linguagem, as divindades pagãs e o amor são algumas das reflexões possíveis.
“A originalidade da poesia de camões tende a manifestar-se em subtis deslocamentos semânticos dentro da tradição em que se insere: uma tradição que, obviamente, inclui Dante, Petrarca e, em termos mais amplos, o neoplatonismo cristão renascentista”. A leitura do primeiro parágrafo de “Cada Um Com o Seu Contrário Num Sujeito” (Abysmo, 2019) obriga-nos a parar na palavra – originalidade. O que é ser original? É ser autêntico? Inovador no conteúdo? Na estilística? É apresentar uma qualidade do que nunca foi dito, pensado ou criado? Ou é ser capaz de recriar? Será possível ser original e ser completamente independente de qualquer tipo de influência?
Camões é um poeta de transição. A influência tradicional, de cariz peninsular, e a influência clássica, de origem italiana, manifestam-se nos temas e nas formas poéticas. Dante e Petrarca são os seus mestres.
Com Dante, aprendeu a olhar para a beleza feminina como um ser angélico que engrandece a alma dos amantes. A poética Petrarquista, um exemplo de perfeição formal e sensibilidade poética, contribui para “encontrar uma unidade espiritual na multiplicidade da experiência do amor humano”, não ignorando a teoria platónica sobre o amor de contemplativo, acreditando no poder transformador do amor. Hélder Macedo afirma que “Camões desenvolveu a partir de Dante e de Petrarca a percepção do amor como forma inteligível do desconhecido. Mas enquanto os seus mestres viam no amor um meio de ascender à unidade de uma ordem espiritual divina obscurecida pela matéria, ele procurou, em sentido inverso, encontrar a uma unidade espiritual na multiplicidade da experiência do amor humano”.
Retomemos o conceito de originalidade. Aprender com os mestres, ter a capacidade de espanto e de encantamento, ter acuidade no olhar e na escrita, criando uma identidade, reinventando uma linguagem que permanece contemporânea – eis o que é ser original. Camões parte da idealização para o físico, canta o humano e o tangível. A originalidade reside na representação da sensualidade da mulher, simbolizada por Vénus, uma mulher carnal, com contornos físicos bem definidos e atraentes, que desperta o desejo e a volúpia dos sentidos. Afinal, a linguagem do poeta “é feita de passados e não de futuros”.
O autor do ensaio, Helder Macedo, partilha a ideia de que “Os Lusíadas acima de tudo são, julgo eu, um poema sobre a linguagem“. A linguagem é instrumental no sentido em que nos permite exteriorizar pensamentos e sentimentos. Não esquecendo que “Camões foi o poeta que mais perigos correu, que se aventurou pelo desconhecido”, a linguagem permite valorizar a diferença e ser “usada para dar expressão a novos significados”. A linguagem camoniana apresenta uma nova arquitectura da palavra. O discurso poético sublime e emotivo evoca a palavra amor como a mais melodiosa de todas.
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