“Garfos. Facas. Colheres. Por esta ordem. Britt-Marie não é de forma alguma o tipo de pessoa que faz juízos de valores sobre os outros. Longe disso. Mas certamente que nenhuma pessoa civilizada pensaria alguma vez em organizar uma gaveta de talheres de forma diferente da que devem ser organizadas as gavetas de talheres! Não somos animais ou somos?”
Britt-Marie não é, de forma alguma, o tipo de pessoa que faz juízos sobre os outros, mas o leitor irá certamente sentir-se tentado a julgá-la – e não irá decerto ter lá grande opinião, pelo menos nas primeiras 100 páginas. Irá até sentir muita pena da rapariga do Centro de Emprego e da pobre ratazana com quem Britt-Marie fará uma amizade improvável.
Britt-Marie, como diria Fernando Pessoa, primeiro estranha-se e depois entranha-se. O livro de Fredrick Backman é uma critica social mordaz e bem-humorada, recheada de analogias futebolísticas, que nos apresenta a uma mulher de sessenta e três anos, habituada a uma confortável vida cujo grande propósito é pôr o jantar na mesa do marido às 6h00 em ponto e ter os vidros mais limpos da rua, ao mesmo tempo que tenta garantir nunca perturbar os vizinhos com os maus odores do seu cadáver. Tudo muda quando o marido tem um ataque de coração, sendo informada do sucedido pela amante muito mais nova e a cheirar a pizza.
Britt-Marie é então obrigada a arranjar um emprego, largando tudo o que sempre conheceu – inclusive a sua imaculada varanda – e mudando-se para uma pequena vila onde nada acontece, sendo a única distracção o futebol.
A partir daqui e qual Manchester United, será obrigada a recomeçar tudo e a aprender quem é, sem alguém que lhe diga o que fazer ou pensar, contando com a ajuda preciosa de um grupo de adolescentes mais ou menos problemáticos, logo percebendo que nem tudo o que parece é – e que o bicarbonato de sódio não resolve tudo.
“Britt-Marie Esteve Aqui” (Porto Editora, 2019) é o terceiro romance do colunista e blogger Fredrik Backman, sucedendo a “Um homem chamado Ove” e “A minha avó pede desculpa”, e foi já adaptado ao cinema, prometendo ao leitor muitas gargalhadas e gíria futebolística, ao mesmo tempo que vai reflectindo sobre assuntos como a crise económica, a desertificação, o medo da solidão e a busca de um lugar no mundo e da identidade própria. Para o leitor, o grande desafio no final será decidir que tipo de adepto é. Liverpool ou Manchester United? Tottenham ou Aston Villa?
Sem Comentários