Nascido no ano da (des)graça de 1971, Renato Filipe Cardoso é, no que ao universo da poesia portuguesa concerne, um bad boy com veia de stand up poetriant, capaz de agarrar no quotidiano, colocar-lhe um cinto de explosivos à cintura e vê-lo rebentar à boleia de efeitos inusitados, imagens e metáforas. Uma espécie de Panoramix que, no seu caldeirão poético, se vai divertindo a cozinhar uma poção trágica com muito humor lá dentro.
Em “Borderline (Ama Como a Bala Começa)” (Texto Sentido, 2022), o vinil pousa no prato e arranca com uma canção de embalar para náufragos, que inclui adágios, provérbios, brincadeiras com gadgets tecnológicos e ameaças de jogos de palavras, que serão plenamente concretizados nas páginas seguintes.
Nesta fronteira erguida com versos há, qual clássico futebolístico, uma dança de traição entre o Árctico e o Antárctico, dois amantes não correspondidos feitos pedintes de rua, um tipo capaz de esconder o corpo ou um caso policial protagonizado por um serial dreamer. Por entre vários ângulos mortos, fecham-se os olhos para evitar o cianeto e escondem-se erecções necrófagas, sempre com o coração na linha da frente. Um coração que, apesar dos estudos, não há meio de aprender.
Pratica-se – ou tenta-se, pelo menos – o cosplay, em risco pelo fecho da “loja de aluguer de fantasias”, assiste-se a um duelo épico – e surpreendentemente contabilístico – entre Arthur Schopenhauer e Valter Hugo Mãe e, a fechar a loja poética e numa rara nota de felicidade, há tempo para perdoar um país por linhas tortas: “o país levou-me a jantar gaivotas/ à luz das velas/ e eu/ perdoei-lhe o mar”. Optimismo poético com a devida moderação, em modo de “solidão sincronizada” – palavras do autor numa possível e pessoal definição de poesia –, que tem tudo para fazer novos amigos.
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