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Bem-Vinda a Casa (Memórias), Lucia Berlin, Deus Me Livro, Crítica, Alfagura
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“Bem-Vinda a Casa (Memórias)” | Lucia Berlin

Por Pedro Miguel Silva · Em 21/07/2020

Foi no ano de 2015, após a publicação de “Manual para mulheres de limpeza”, que se deu a aclamação e, talvez mais importante, uma das grandes (re)descobertas literárias no que à prosa e ao conto dizem respeito: Lucia Berlin. Algo que acabou por acontecer mais de cinquenta anos depois de a escritora americana ter publicado o seu primeiro conto, não tendo esta tido tempo para fazer a festa – se bem que, no que diz respeito à vida de Lucia Berlin, esta tenha sido uma festança, incluindo a parte chata da ressaca e das arrumações.

Antes de morrer, corria então o ano de 2004, Lucia Berlin estava a trabalhar num livro de textos autobiográficos a que tinha decido chamar “Bem-Vinda a Casa” – a maior parte dos textos da primeira parte do livro agora editado saiu, numa versão ligeiramente diferente, no nº 1 (Primavera de 2003) e no nº 3 (Primavera de 2005) da revista Square One. Os últimos cinco capítulos foram publicados em newyorker.com, em 2016, com o título “Memórias do México”. Para compor o volume inacabado, que acabou por ser publicado em 2018 com o título Welcome Home – “Bem-Vinda a Casa (Memórias)” (Alfaguara, 2019) na edição portuguesa -, Jeff Berlin, o filho da escritora, juntou aos textos um conjunto de fotografias e cartas, que mostram o lado oculto por trás do acto da criação, ao mesmo tempo que acentuam a dimensão romântica, aventureira e trágica que preencheu não só a própria vida como a ficção que deixou ao mundo, um legado a preservar com todo o cuidado.

Na introdução ao livro, Jeff diz ter ouvido a mãe ler-lhe uma versão inicial de Bem-Vinda a Casa, explicando um pouco aquilo que teria pretendido com este projecto: “uma série de reminiscências dos lugares que considerava a sua casa, o seu lar. À partida, tencionava que fossem simples esboços dos lugares em si, sem personagens nem diálogos. Eram histórias da sua infância que tínhamos ouvido quando éramos miúdos, mas agora por ordem e já sem se fazerem passar por ficção. Infelizmente, o tempo esgotou-se e a derradeira versão do manuscrito termina em 1965, com a última frase inacabada”.

Bem-Vinda a Casa (Memórias), Lucia Berlin, Deus Me Livro, Crítica, AlfaguraEntre muitas outras qualidades e motivos para o espanto, a prosa de Lucia Berlin mostra uma capacidade invulgar de deslumbramento perante o trágico e a capacidade de tornar grande as pequenas coisas do quotidiano: “A avó e o avô viviam em Upson Avenue , perto da siderurgia; por isso, dia e noite, os céus escureciam de repente, do fumo. Ondas escuras em cascata, tão carregadas de enxofre e outros vapores metálicos, que picavam nos olhos e causavam náuseas. Era bonito, no entanto, porque o sol incidia no fumo e destacava um caleidoscópio ondulado e iridescente em tons de verde-ácido, fúcsia, azul-da-prússia”.

Trata-se de uma colecção de postais de família ou de um álbum de fotografias comentado, que segue a vida de Lucia Berlin de tempos mais difíceis até um conforto quase opulento, onde se conhecem as suas amizades, os estudos, a ida para a América, as paixões, os amores e os casamentos. Bem como uma série de inconfidências ditas de forma descontraída, onde o quotidiano surge fixado entre a comédia e a poesia. Conhecemos igualmente as muitas habitações pelas quais a vida de Lucian Berlin se distribuiu, descritas em brevetes imobiliários com muita alma.

Entre as muitas cartas encontramos algumas do seu pai, escritas durante a guerra, ou diversas de Lucia dos tempos da universidade, que permitem ao leitor penetrar no espaço íntimo da escritora nascida no Alasca e ver de que forma o seu quotidiano acabou por ser transposto para os contos, onde reina a ironia, o humor, a comoção e uma forma muito particular de se relacionar com o mundo. Bem-vindos à casa de Lucia Berlin.

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Pedro Miguel Silva

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