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“Beijo Feroz” | Roberto Saviano

Por Ana Ilhéu · Em 02/07/2019

“Os gatinhos são cegos e desdentados, mas cedo se tornarão caçadores. Os ratinhos nascem sem pelo e cor-de-rosa, mas os que conseguirem tornar-se ratos compridos, gordos e peludos cedo aprenderão a sair sozinhos, com a cumplicidade da escuridão.”

Em Nápoles, os jovens, alguns deles pouco mais que crianças, assumem cada vez mais cedo e com mais pujança o domínio das ruas, do comércio de droga e de armas, a disputa e o ganho de territórios de influência e poder no mundo mafioso que, dia após dia, determina o presente e o futuro da vida de quem vive na cidade.

Roberto Saviano prossegue a apresentação de um retrato cru e rude do que é (sobre)viver dentro ou à sombra da máfia napolitana, e a forma como os mais novos se dispõem a realizar o que for necessário. “Beijo Feroz” (Alfaguara, 2019) dá continuidade à história começada em “Os meninos da Camorra”, publicado também pela Alfaguara no ano passado. Porém, se quisermos entender o âmago desta missão de vida que Roberto Saviano assumiu, devemos recuar até aos anos de 2006/08, e tomar contacto com o relato que o autor realiza em Gomorra, expondo os meandros mais íntimos da organização, algo que lhe granjeou ódios de morte e uma vida refém de ameaças e tentativas efectivas de o matar.

Agora, Saviano salienta como em Nápoles ser criança pode significar ser rei, um potencial de poder determinado por aspirações e determinações de sobrevivência. E fá-lo transportando o leitor para a intimidade e movimentações de vários jovens, para as suas estratégias e decisões de jogar e atacar, em como se organizam e actuam para se defenderem e se afirmarem.

Será que os maus também sofrem e choram? Antes de se tornarem no que são, sobreviventes de guerrilha, acácias de guerras longas, terão simplesmente sido gente com medos e insegurança por detrás da máscara de Hércules. Talvez, em muitos aspectos, também encontremos uma visão humanizada da crueldade.

Beijo Feroz, Deus Me Livro, Alfaguara, Roberto SavianoA acção tem diversos protagonistas, com especial destaque para Nicolas, o Marajá, um jovem de 16 anos, já o Homem e o Líder do grupo, da zona e da família, a tentar vingar a morte do irmão.

“Beijo Feroz” traça um retrato que se sente fiel da realidade e das relações mafiosas em Nápoles, envolvendo o comércio de drogas, a marcação e preservação de territórios cujo controlo passou a ser condição de sobrevivência. O retrato inclui as ligações familiares e as de negócio, sem descurar os códigos de comunicação, rituais e simbologia variada, ao nível do comportamento e da imagem. Ou as relações de poder inter-geracionais, a hierarquia de informação, influência e decisão.

Existirão coisas piores do que a morte? O ódio de morte entre miúdos, muitos dos quais outrora amigos, que agora se digladiam nas ruas pela reposição do poder e da dignidade, batalha atrás de batalha, cada uma mais sangrenta e devastadora, também para quem os rodeia, tornando quem amam alvos perfeitos de vinganças inimagináveis para o comum dos mortais.

“De Nápoles ninguém se pode ir embora. Pode emigrar para a Austrália, passar a ser criado de cangurus e lançar o laço, mas carrega essa origem como um emblema.” A dificuldade em distanciar-se porque se fica ligado à adrenalina e à identidade, mas também porque os outros não os deixam desligar-se. Uma ligação para a vida, dure que tempo durar.”

O desespero e a impotência de mães que vêem as suas crias enveredarem pela vida da máfia e do crime. Ainda, a vida afectiva dos protagonistas, laços familiares, amorosos e de fidelidade ao grupo, à vida que uns procuraram e que outros não conseguiram evitar.

“O passado não se pode mudar“, afirma um dos protagonistas do livro, afirmação que bem poderia vir de Saviano, refém da coragem de continuar a retratá-lo: um passado que testemunhou e que o tem feito pagar uma pesada factura, só e acossado, nas suas próprias palavras, “como se fosse um doente terminal”.

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Ana Ilhéu

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