Editado no ano passado em Portugal, “Uma Gaiola de Ouro” mostrou-nos uma outra faceta de Camilla Läckberg: um policial feminista sobre engano, vingança e redenção que nos apresentou a Faye, uma mulher com uma existência aparentemente tranquila e invejável que, depois de uma vida de submissão, decide arquitectar uma vingança ao nível de uma Hera em ácidos.
Um policial que, para quem tem acompanhado as aventuras do casal Erica Falck e Patrik Hedstrom, não deixava de ser levezinho. Afinal, quando falamos em Läckberg falamos de alguém que navega entre o espírito romântico de uma Caras e o sangue-frio de um Dexter Morgan: se, num momento, estamos a ouvir conversas íntimas e relatos conjugais que vão da queixa ao elogio, noutro somos capazes de estar diante de um corpo trucidado sem piedade, com descrições que, de tão detalhadas e sensíveis, se tornam desaconselháveis para um estômago sensível ou em processo de digestão. “Asas de Prata” (Suma de Letras, 2020), o segundo volume das aventuras de Faye, é Lackberg em ponto de caramelo, juntando-lhe uma componente sexual que poderia facilmente obrigar a que a capa do livro, para lá de um batom com a ponta partida, ostentasse aquela bolinha vermelha e marota no canto superior direito – uma espécie de as explicit as it gets vindo do norte da Europa.
Após deixar para trás uma linha temporal carregada de traições e humilhações, Faye reconstruiu a sua vida em Itália, à frente dos destinos da Revenge, empresa que fundou no espírito de uma irmandade feminina – e da qual é Presidente do conselho de administração, tendo vendido grande parte das suas acções em nome do livre arbítrio.
Porém, quando o seu ex-marido escapa da prisão e a Revenge parece ser alvo de uma aquisição hostil, torna-se inevitável o seu regresso à Suécia, onde terá de juntar as melhores e mais inesperadas aliadas para evitar perder o império que julgava ser um legado e um exemplo para todas as mulheres – mesmo que Faye esteja longe de ser uma personagem consensual ou facilmente gostável – ou um exemplo de mulher a seguir -, caindo por vezes na armadilha dos privilegiados, o que a torna ainda mais fascinante de seguir.
Depois de um arranque morno com o primeiro volume, Läckberg surpreende o leitor com a habitual linha temporal dupla, que aqui ganha contornos tão negros e obscuros quanto a típica meteorologia sueca, numa narrativa que a espaços é negra, tumultuosa e carregada de sombras e arestas. E, repita-se, oferecendo algumas descrições sexuais capazes de fazer Sade corar. O final, que em parte se adivinhava, deixa a porta escancarada para o terceiro volume. Uma boa derivação à série protagonizada por Erica Falck e Patrik Hedstrom, que conta já com uma dúzia de volumes.
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