Entre as suas 325 páginas, “As Pessoas Invisíveis” (Leya, 2022) leva-nos a percorrer as paisagens transmontanas, a sentir o clima tropical africano e a conhecer várias histórias ao longo de diversos tempos e lugares.
A trama começa em Berlim, no ano de 1980, quando é encontrado um caderno com anotações sobre uma jazida de ouro no interior de Portugal. É a partir daí que começa a viagem por entre tempos e lugares diferentes, até porque “não se compreende como é que o tempo mexe os cordelinhos. Umas vezes desenrola-os a direito a puxá-los de um novelo, outras vezes em elipse“. E, se a história por vezes parece desenrolar-se a direito, logo descobrimos que os pontos se tocam.
Afinal, a jazida de ouro foi descoberta anos antes, durante o tempo da Segunda Guerra Mundial, onde um engenheiro alemão estabelece uma grande e forte amizade com Xavier Sarmiento, uma espécie de “eremita” curandeiro que, conseguindo curar qualquer maleita, se começa a convencer que tem poder. As suas acções vão acabar por levá-lo a África, onde se vai enredar na complexa conjuntura do fim (legal) da escravatura, o que levará a confrontos, massacres e campos de detenção.
É, aliás, a personagem de Xavier Sarmiento que acompanhamos ao longo de grande parte do romance, e que se vai cruzando com várias das “pessoas invisíveis“. Personagens que, embora passem de viés e não pareçam importantes, fazem parte de uma trama construída também com elas e as suas acções: Custódia, uma empregada doméstica duma casa tradicional e abastada, que se sente atraída por Xavier quando este se encontra a curar a filha dos seus patrões; Pedro Serrano, funcionário do Estado numa colónia – perdão, província – portuguesa, que é levado sem crime algum haver cometido só porque são precisos bodes expiatórios para justificar o massacre que se cometeu (e que só quando é preso é que finalmente se liberta); Álvaro Lince, inspetor da PIDE e filho de um velho amigo de Salazar de Santa Comba Dão, enviado pessoalmente pelo chefe de Estado a África para fazer um relatório sobre a situação do massacre. Porém, se Salazar já sabe tudo – ou aquilo que quer saber –, sobre o que irá o inspector escrever?
José Carlos Barros, autor da obra com a qual venceu o Prémio Leya 2021, leva-nos numa viagem por vários episódios da história de Portugal, passando pela vida de inúmeras “pessoas invisíveis“, pessoas que, ao fim ao cabo, somos nós todos. Até porque “o resto do mundo continua a rodar sem sobressaltos quando um drama pessoal chega a dar-nos a sensação de que tudo se desmorona e de que o ruído desse desmoronamento será insuportável. Não é assim. Vivemos sempre sozinhos. É sempre sozinhos que nos confrontamos com o nosso próprio destino e o seu novelo espesso. É sempre sozinhos que caminhamos no meio da multidão“.
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