A Condessa de Ségur era inquilina permanente lá em casa. Nas minhas estantes habitavam os livros desta exemplar escritora russa que continua, tantas décadas depois, a encantar os mais novos. Em “As Meninas Exemplares” (Fábula, 2020) continua-se a história de “Os Desastres de Sofia”, criança incompreendida e que tenta permanentemente encontrar o seu lugar no mundo. Neste segundo volume, Sofia agora é acompanhada de Madalena e Camila, as verdadeiras meninas exemplares, dotadas de uma simplicidade natural, de uma educação exemplar e de uma beleza inata. E o que faz isto a Sofia?
Sofia continua rebelde e impulsiva. Na sua perspectiva, fica sempre aquém das amigas. Sente-se bruta, feia e má. Reflecte sobre a sua identidade e demonstra a sua vontade de ser melhor, de se enquadrar e de aprender. O seu contexto familiar, devastado pela morte dos pais, traz-lhe agora dissabores e tristezas permanentes: a sua madrasta, a que está a cargo, não pertence a este ambiente e está longe de pertencer ao meio aristocrático, o que é visível na sua forma de estar, de se relacionar e, sobretudo, de educar. E é precisamente na dualidade entre estes dois ambientes – a perfeição da vida das amigas e o seu infeliz fado – que Sofia se tenta encontrar.
Publicado em 1858, este livro está situado numa realidade muito diferente da actual, mas o que é curioso é que praticamente não se detectam mudanças naquilo que é ser Criança. A imaginação, os disparates e as ligações emocionais para com terceiros pouco mudaram entre o século XIX e o XXI, como bem afirma Maria do Rosário Pedreira no prefácio.
Com oito filhos e o primeiro livro escrito com 58 anos, a Condessa de Ségur não lhe faltava nada para a criação de histórias em torno de famílias aristocráticas, nomeadamente de crianças. A sua perspectiva do universo infantil é tão enternecedora quanto pragmática, o que é espelhado em momentos muito particulares: se, por um lado, somos complacentes com a criança que faz asneiras e que lida com a sua consciência, por outro a reação dos adultos é intransigente e inabalável.
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