Bem-vindos a uma arrepiante realidade pós-apocalíptica, na qual algo de terrível se passa – um fenómeno sobrenatural? Uma invasão alienígena? Ninguém sabe. Certo é que há qualquer coisa inexplicável a vaguear pelas ruas, algo tão incompreensível que quem o vê sucumbe à loucura – um tipo de insanidade particularmente autodestrutivo, violento e homicida. É neste cenário que se desenrola “Às Cegas” (Topseller, 2018), o primeiro livro do norte-americano Josh Malerman.
Malorie vê-se de repente sozinha neste tempo de trevas. Acaba de descobrir que está grávida, fruto de uma relação fugaz e inconsequente, quando o mundo em seu redor entra numa espiral de violência, que irá ceifar a vida da irmã e dos pais.
Atraída por um enigmático anúncio de jornal, Malorie encontra abrigo numa pequena casa, de janelas tapadas com cobertores, junto de um grupo de desconhecidos. Com eles aprende a realizar as tarefas no exterior com os olhos vendados – tirar água do poço e percorrer pequenas distâncias, sempre sem abrir os olhos, porque quem os abre pode, num segundo, cair no abismo da loucura. Nesta casa criará amizades, conhecerá a esperança e alguns bons momentos, que inevitavelmente darão lugar aos dilacerantes monstros do desespero.
A original técnica narrativa de Malerman funciona de forma curiosa. Logo no primeiro capítulo estamos já bem adiantados na história: Malorie guia duas crianças – a quem se refere simplesmente como Rapaz e Rapariga – em direcção ao rio, todos de olhos vendados, deixando para trás a segurança da casa para uma fuga desesperada. Ao longo do livro testemunhamos a penosa e atribulada viagem dos três rio abaixo e, em paralelo, acompanhamos os acontecimentos que os levaram aquela situação, com recurso a flashbacks. Ficamos assim a conhecer o destino dos seus malogrados companheiros, bem como as razões por detrás de tão angustiada fuga.
Este é um daqueles livros sobre os quais a expressão page-turner cai que nem ginjas: acção trepidante, ritmo frenético, capítulos curtos e uma enorme ânsia de chegar ao desenlace da história. Malerman escreve com desenvoltura e eficácia, envolvendo os personagens num suspense de suster a respiração, levando o leitor a devorar capítulo atrás de capítulo.
Ainda que a premissa não seja particularmente inovadora (há um filme péssimo do M. Night Shyamalan, chamado “The Happening”, com muitos pontos em comum), é levada a bom porto pelo medo natural que todos temos do desconhecido, do terror não visto, apenas sugerido, representado pelas criaturas obscuras que deambulam pelo livro.
“Às Cegas” é uma história muito cinemática, pelo que não se estranha que haja já um filme em produção, com a chancela da inevitável Netflix: Sandra Bullock dará corpo à destemida Malorie para enfrentar esta ameaça catastrófica, que chegará brevemente aos nossos ecrãs. Esperemos que seja um divertimento pulp tão assustador quanto o livro.
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