• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis Tripp
Mil Folhas 0

“Armazém Central: Confissões – Montreal + Marie” | Loisel & Tripp

Por Pedro Miguel Silva · Em 19/05/2021

Publicada com o selo da editora belga Casterman, entre Março de 2006 e Outubro de 2014, a série Armazém Central é composta por 9 tomos, e conta com textos e desenhos de dois vultos da banda desenhada: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp.

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis TrippA ideia de uma colaboração, algo raro acontecer com dois nomes consagrados da BD – que fundiram a sua individualidade num estilo comum -, começou a germinar desde Julho de 2003, altura em que, na cidade de Montreal, Canadá, Régis Loisel e Jean-Louis Tripp passaram a partilhar o mesmo atelier. Na altura, Loisel trabalhava no último tomo de Peter Pan – série que está a ser publicada de momento em Portugal numa colecção Asa/Público – e, quanto a Tripp, desenhava Paroles d`Anges. Perceberam então que tinham muito em comum, e que poderiam trabalhar em algo que realçasse a sua complementaridade. Tal como se lê no texto de introdução a “Confissões – Montreal” (Arte de Autor, 2020”, álbum que reúne os tomos 4 e 5 da série, “se aquilo de que Régis mais gosta é de construir uma história com um lápis ágil e traços generosos… Jean-Louis vibra ao deixar transparecer, através do seu traço e luminosidade, ambientes sensíveis e brilhantes”.

Uma vez que a acção desta história se passa nos anos 20 do século XX numa aldeia rural perdida na imensidão do Quebeque, lugar onde a língua falada é assim para o pitoresco e não muito fácil, os autores pediram a colaboração de Jimmy Beaulieu, um autor de Montreal que os ajudou a alcançar um patamar de linguagem acessível aos leitores dos dois lados do Atlântico – no caso português, a tradução esteve a cargo de Pedro Cleto.

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis Tripp

A complementaridade entre os dois autores é desde logo radiografada nas páginas de entrada a “Marie” (Arte de Autor, 2021), o primeiro tomo da colecção. De um lado, a primeira etapa do processo desenvolvida por Loisel e, do outro, a segunda vencida ao sprint por Tripp. Um trabalho a quatro mãos onde se consegue perceber o estilo de ambos, mas que resulta num estilo partilhado que dá ao leitor motivos suficientes para celebrar.

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis Tripp

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis Tripp

“Marie” tem como primeiro narrador Félix Ducharme, nascido em Notre-Dame-des-Lacs, Quebeque. Os seus pais eram os donos do Armazém Central, que lhe foi entregue como herança. Félix era casado com Marie Coutu, uma rapariga de Chicoutimi, cinco anos mais nova, com quem casou vinte anos atrás e de quem se despede nessa noite, a do seu falecimento. A partir daqui, e depois de assistirmos ao devido enterro e homenagem, acompanhamos Marie e as suas dúvidas em permanecer num lugar que, agora, lhe parece dizer muito pouco: “No fundo, o que me prende aqui?”.

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis TrippEste é o início de uma história de emancipação, que será explorada com primor nos tomos seguintes, e no qual se começa a perceber a dinâmica da aldeia, a relação dos seus habitantes com a terra, a distância imensa a que estão do mundo urbano, o peso da religião, num lugar propício a conversas sussurradas, à coscuvilhice e à criação instantânea de boatos.

Saltando alguns volumes para “Confissões – Montreal”, encontramos um texto para aqueles que não seguiram a história desde o primeiro volume, mas o melhor mesmo é mesmo visitar este Armazém Central seguindo a linha cronológica.

Resumidamente, o ano é 1926 e, quanto ao lugar, estamos em Notre-Dame-des-Lacs, no Quebeque. Uma aldeia que assenta na pastorícia e na caça, e que tem como grande referência o Armazém Central, que vende um pouco de tudo: alimentos, ferramentas, artigos diversos para a casa, vestuário e tudo aquilo que os frequentadores se lembrarem de encomendar. Ao leme do armazém está Marie, mesmo que segundo o olhar da época – e sobretudo do lugar – não veja com muitos bons olhos uma mulher comerciante que ainda por cima tem estofo para conduzir um camião.

De forma algo acidental, chega também à aldeia um tipo mais velho com o nome de Serge, que da desconfiança inicial acaba por se tornar indispensável, tornando-se proprietário e chef do elegante restaurante “Le Raviole”.

Armazém Central, Arte de Autor, Deus Me Livro, Crítica, Confissões, Montreal, Marie, Régis Loisel, Jean-Louis Tripp

Confissões, o primeiro dos tomos reunidos neste volume, mostra-nos quase como que num olhar cinéfilo do tempo dos filmes mudos a vida no campo, o papel cuidador atribuído e desempenhado pelas mulheres, o trabalho animal a ruralidade. Vemos mulheres a amamentar, (sobretudo) homens a lavrar o campo.

Por esta altura, Marie e Serge vivem juntos, pressionados pelo padre e “o conjunto dos nossos concidadãos” a oficializar a coisa. Porém, uma confissão de Marie deixa o padre a ver santinhos, numa história onde o medo de sair do armário é amortecido pelas palavras de um quase anónimo da aldeia: “Para ti, haverá sempre um copo de licor de ameixa e um martelo, sou eu que te digo…”. Até que um boato resolve a coisa por linhas tortas: “Se fosses uma mulher, gostavas de ter um homem que não conseguisse na cama?”.

Quanto a Montreal, apresenta-nos uma introdução aos pecados do ventre, onde a culpa surge atirada como areia aos olhos e onde a verdade nos é mostrada por uma avozinha no seu leito de morte: “O que os outro dizem não é nada importante”. Um tomo fabuloso que mostra como uma mulher proscrita pode, em boa verdade, abalar os alicerces de toda uma comunidade. E ter o direito a sonhar.

Armazém CentralArte de AutorConfissõesCríticaDeus Me LivroJean-Louis TrippMarieMontrealRégis Loisel

Pedro Miguel Silva

Pode Gostar de

  • Eu (Odeio) Adoro Livros, MariaJo Ilustrajo, Deus Me Livro, Fábula, Crítica, Mil Folhas

    “Eu (Odeio) Adoro Livros” | MariaJo Ilustrajo

  • Curtas da Estante, Deus Me Livro, Vogais, 1945 - Contagem Decrescente, Chris Wallace, Mitch Weiss, Mil Folhas

    Curtas da Estante: “1945 – Contagem Decrescente” | Chris Wallace e Mitch Weiss

  • Deus Me Livro, Crítica, Contraponto, Ainda Vamos a Tempo!, Ivone Patrão, Mil Folhas

    “Ainda Vamos a Tempo!” | Ivone Patrão

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • Eu (Odeio) Adoro Livros, MariaJo Ilustrajo, Deus Me Livro, Fábula, Crítica,

    “Eu (Odeio) Adoro Livros” | MariaJo Ilustrajo

    30/05/2025
  • Curtas da Estante, Deus Me Livro, Vogais, 1945 - Contagem Decrescente, Chris Wallace, Mitch Weiss,

    Curtas da Estante: “1945 – Contagem Decrescente” | Chris Wallace e Mitch Weiss

    29/05/2025
  • Deus Me Livro, Crítica, Contraponto, Ainda Vamos a Tempo!, Ivone Patrão,

    “Ainda Vamos a Tempo!” | Ivone Patrão

    29/05/2025
  • Curtas da Estante, Deus Me Livro, Religião Sem Deus, Gradiva, Ronald Dworkin,

    Curtas da Estante: “Religião Sem Deus” | Ronald Dworkin

    29/05/2025
  • Curtas da Estante, Devir, Deus Me Livro, Hitler, Shigeru Mizuki,

    Curtas da Estante: “Hitler” | Shigeru Mizuki

    28/05/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto