“Apagar Estocolmo”, do sueco Jens Lapidus (Suma de Letras, 2018), é um sucedâneo de lugares comuns na ligação entre crime e literatura. Percebe-se a existência de um elo forte de representação da realidade e de inspiração, do crime como alimento da literatura através da reprodução de cenários imaginários e potencialmente reais – ou não fosse Lapidus um experiente advogado criminalista em Estocolmo, que transporta para as suas histórias a dura e crua realidade com que trabalha.
O cenário contempla um misterioso e violento homicídio, uma vítima por identificar, um suspeito por confirmar, uma investigação por desenlear e um sucedâneo de personagens e co-ocorrências. E talvez seja este o principal ganho da narrativa: a capacidade de ir para além do mero desenlace policial e de conter múltiplos focos ou temas, permitindo o contacto com mundos paralelos ao evento principal.
Numa noite de Maio, um guarda é chamado a uma vivenda e encontra, dentro da mesma, um homem brutalmente assassinado. Um rapaz de 21 anos é descoberto num carro, nas proximidades da casa, sendo detido e suspeito de ter matado um homem com um tiro no rosto. A identidade da vítima permanece um mistério.
Nikola e Teddy dão identidade a dois delinquentes, familiares. O primeiro jovem, o segundo já perfeitamente adulto. Ambos com trajectórias de delitos e passagem por internamentos e reclusões, por mecanismos de identidade e modelagem comportamental. Nikola “queria passar despercebido, flutuar como azeite sobre a água. Queria ser uma sombra, viver a vida à sua maneira. Não ser engaiolado numa sala de aula. Não ser controlado por abreviaturas e acrónimos estúpidos”.
Num outro plano, Mats e Benjamin demonstram como formas de vida organizadas e sustentadas sucumbem perante a ambição, a especulação e o acesso fácil a mecanismos de lavagem de dinheiro e de burla. Esquemas mafiosos perfeitamente enraizados nos círculos económicos suecos. Mats, “o mágico, Mr. Gold”.
Emelie, jovem e promissora advogada, pragmática, eficiente, ambiciosa e, ainda assim, profundamente sonhadora – “a felicidade é uma coisa que se multiplica quando é dividida”. Destemida e teimosa quanto baste coloca em causa o seu emprego e a sua carreira ao assumir contra a vontade, e às escondidas da firma de advogados onde trabalha, a defesa dos casos crime que envolvem Nikola e Benjamin. Com Teddy vive o improvável.
Ao longo de mais de 500 páginas de informação e demonstração de como se poderão processar os enleios entre o crime e o causídico, a investigação policial e a privada, persiste a dúvida se “Apagar Estocolmo” será uma forma de protecção ou de ameaça, sendo certo que o eclipse que lhe está inerente, mesmo que para protecção dos visados, conterá em si muitas perdas.
Aclamado e premiado pela crítica sueca, “Apagar Estocolmo” é uma obra sobre pessoas, passados, memórias e sobrevivência física e emocional. Uma manta de histórias que revela uma realidade menos evidente na sociedade sueca, detentora de um dos mais elevados índices de desenvolvimento humano e desempenho social.
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