Há livros que deveriam trazer na capa a tarja de advertência «contém spoilers» e o romance de estreia de Christine Mangan, “Ao Sol de Tânger” (Editorial Presença, 2018), é um deles. O jogo de espelhos onde a autora se apoia para narrar uma tensa relação de amizade revela precocemente os seus segredos e resta ao leitor a esperança de não ter adivinhado, logo nas primeiras páginas, o fim da história. Porém, a má notícia para o leitor é que sim, infelizmente, adivinhou o fim da história.
“Ao Sol de Tânger” narra a relação entre Alice e Lucy, colegas de quarto numa universidade norte-americana que se reencontram na cidade marroquina, após o hiato provocado por acontecimentos traumáticos. O encontro, contudo, antes de reatar a antiga amizade, conduz inapelavelmente para um novo trauma na vida de ambas.
O romance falha em chamar a atenção do leitor para os conflitos provocados pelas personalidades distintas de Alice e Lucy, quando insinua – bem antes do que seria prudente – que o que está mesmo em jogo é um tour de force psicológico de uma personalidade fraturada.
Neste sentido, “Ao Sol de Tânger” é ao mesmo tempo sobre – e também vítima – dos ardis da personalidade. Não se tem a certeza se autora deliberadamente revela os segredos do tal jogo de espelhos para criar um suspense ou se lhes deixou escapar antes da hora, como é natural a romancistas (e ilusionistas) em início de jornada.
Nem Tânger está isento de um certo dilema de personalidade. Apesar da rica descrição topográfica, não se rompe a epiderme rumo à alma da cidade. Está-se sob o sol de Tânger como poderia estar-se sob o sol de qualquer outro sítio igualmente caótico, empoeirado e quente, a sentir-lhe o calor, odores e aromas de um quarto do Airbnb.
Ainda que “Ao Sol de Tânger” seja irregular, deve-se prestar atenção a Christine Mangan como uma promessa da literatura. Principalmente se ela se mantiver próxima dos conflitos existenciais e distante das promoções editoriais, como a pretensiosa chamada de capa que promete no livro o encontro de Patricia Highsmith e Hitchcock. O que, definitivamente, não é o caso – mais útil seria a tarja de advertência sobre os spoilers.
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