O Deus Me Livro continua a divulgar as novidades literárias que já aterraram e que irão aterrar nas livrarias nos primeiros meses deste novo e estranho ano, desta vez com um olhar sobre o que foi preparado, entre novidades e reedições, pela sempre refractária Antígona.
Novidades
Ficção
“A Praga Escarlate” | Jack London
Data de lançamento: Já nas livrarias
2013. Uma pandemia varre o planeta e faz ruir a civilização. Os Estados modernos colapsam, e o mundo retrocede à barbárie: o medo reina, as pessoas isolam-se, hordas saqueiam lojas, e muitos fogem em massa das cidades. Todos estes acontecimentos são relatados em 2073 por James Smith, um dos poucos sobreviventes em São Francisco, que transmite aos netos as suas lembranças de um mundo já distante. Um texto profético sobre a vulnerabilidade da nossa civilização, publicado em 1912, e que ecoa sonoramente no presente.
“A Fúria e Outros Contos” | Silvina Ocampo
Data de lançamento: 19 Abril
Um dos tesouros mais bem guardados da literatura latino-americana do século xx, Silvina Ocampo (1903-1993), companheira de Adolfo Bioy Casares, cúmplice intelectual de Jorge Luis Borges e admirada por autores como Roberto Bolaño e Alejandra Pizarnik, chega finalmente a solo a Portugal. A Fúria e Outros Contos (1959), considerado o seu livro mais ocampiano, reúne trinta e quatro contos, entre os quais «A Casa de Açúcar», o preferido de Julio Cortázar, «A Paciente e o Médico» e «As Fotografias». Inclui um texto introdutório de Jorge Luis Borges.
“Comboios Rigorosamente Vigiados” | Bohumil Hrabal
Data de lançamento: 3 Maio
Depois de Uma Solidão Demasiado Ruidosa, a Antígona prossegue a publicação das obras de Bohumil Hrabal, em tradução directa do checo, agora com Comboios Rigorosamente Vigiados (1965), um clássico da literatura do pós-guerra, uma pequena obra-prima de humor, humanidade e heroísmo. Adaptada ao cinema por Jiri Menzel em 1968 (Óscar de Melhor Filme Estrangeiro), acompanhamos nesta obra Milos Hrma, jovem aprendiz numa estação ferroviária na Checoslováquia ocupada pelos nazis.
“Dos Nossos Irmãos Feridos” | Joseph Andras
Data de lançamento: 17 Maio
Obra premiada em 2016 com o Prémio Goncourt, recusado pelo autor – pois, segundo o próprio, a sua «concepção de literatura não é compatível com a ideia de competição, e a concorrência e a rivalidade são alheias à escrita e à criação», e porque o laureado sempre preferiu o anonimato, escudando-se num pseudónimo. Dos Nossos Irmãos Feridos é um magistral romance de estreia que causou sensação em França, e um livro de tirar o fôlego sobre o caso verídico de Fernand Iveton, pied-noir executado durante a Guerra da Argélia, em Novembro de 1956: um castigo que se pretendia exemplar e um aviso a todos os que tomassem o partido dos colonizados e do anticolonialismo. Uma reflexão sobre um símbolo da resistência à opressão colonial e as injustiças dos conflitos, num estilo inesquecível.
“Ferro em Brasa” | Filipe Homem Fonseca e Miguel Martins
Data de lançamento: 17 Maio
«Ferro em Brasa é um linguadão dos antigos, pré-Covid, nas beiças de Alfred Jarry. É uma flauta de negaça. É tudo o que Homero e Camões teriam escrito se tivessem menos génio e uma Famel. É Giotto + Pollock + digitintas. É um bico-de-obra, essa é que é essa. É um PPR no BPN. É um filho da Pia Zadora com o Kareem Abdul-Jabbar. Urdido com candura rupestre por dedos de panarícios maculados, poder-se-á dizer que narra a Quase-Odisseia de um homem fumador de barras de dinamite, a relação incestuosa que manteve com a onda de Hokusai, e o seu papel químico no trágico destino de mil Sósias-Simétricos em letra de corpo oito. Poder-se-á também dizer o avesso de tudo isto, sem que daí venha outro mal ao mundo para além de azulejos rachados, ardósias garatujadas a giz com nomes de animais-comida e respectivo preço, o estudo dos chimpanzés da Tanzânia por Nishida e Hosaka, as montras de bolos e roupas e electrodomésticos, o cumprimento de horários, os atrasos, uma telefonia desligada, a frescura de um crime ocasional, algarismos entre chavetas, feridas saradas, despedidas voluntárias e guardanapos manchados.»
“Pão Seco” | Muhammad Chukri
Data de lançamento: 14 Junho
Obra de culto, proibida até recentemente nos países árabes, por tocar em tabus da sociedade magrebina, Pão Seco é a estreia de Muhammad Chukri (1935-2003) em Portugal. Quando a fome grassa no Rife, uma família parte para Tânger em buscar de uma vida melhor. Nas noites passadas ao relento, nos becos da cidade, o pequeno Muhammad, orgulhoso e insolente, descobre a injustiça e a compaixão, o consolo das drogas, do sexo e do álcool. E é na prisão que um dos companheiros de cativeiro ensina a Muhammad os rudimentos da leitura, que mudará para sempre a sua vida. Uma novela autobiográfica que consagrou o autor – que aprendeu a ler e a escrever aos 21 anos –, e cuja adaptação inglesa de Paul Bowles teve o título For Bread Alone.
Não Ficção
“Comentários sobre a Sociedade do Espectáculo” | Guy Debord
Data de lançamento: Já nas livrarias
Companheiro inseparável d’A Sociedade do Espectáculo, os Comentários (1988) actualizam e confirmam, ao fim de vinte anos, as teses anteriores de Guy Debord, apresentando a noção de «espectacular integrado»: um conceito global que reúne o «espectacular difuso» do american way of life e o «concentrado» dos regimes totalitários, vertido na manipulação cada vez mais sofisticada dos desejos do ser humano, operada por Estados e meios de comunicação em nome do bem oleado capitalismo moderno. Este balanço do autor, quando o espectáculo se tornara ainda mais irracional e omnipresente do que ele previra em 1967 — que passa em revista a mentira e a contra-informação como técnicas para alcançar e manter o poder, a psicologia da submissão das massas, o fenómeno do culto das celebridades —, continua a falar alto e bom som, com clarividência, à contemporaneidade em que nos movemos.
“O Auxílio Mútuo – Um Factor da Evolução” | Piotr Kroptokine
Data de lançamento: 22 Março
Obra marcante do célebre anarquista russo, O Auxílio Mútuo (1891) é um dos primeiros estudos sistemáticos de inteiras comunidades humanas e animais. Respondendo aos defensores do darwinismo social – para quem o progresso resulta da feroz competição entre indivíduos e da sobrevivência dos mais aptos –, Kropotkine propõe que a cooperação é o verdadeiro factor da evolução. Ao mostrar que as pessoas tendem espontaneamente para a ajuda mútua, e que é o Estado, com a sua ânsia de regular colectividades e defender privilégios privados, que corrompe esta inclinação natural, Kropotkine constrói a defesa do anarquismo e apresenta uma base científica para a organização da vida em sociedade. Texto essencial para compreender os fundamentos anarquistas, O Auxílio Mútuo não só conserva a sua actualidade, como encerra a clarividência e o optimismo de que precisamos nos nossos dias.
“Viver a Minha Vida: vol. 1” | Emma Goldman
Data de lançamento: 22 Março
Emma Goldman (1869-1940): figura maior do anarquismo, defensora da igualdade e da independência da mulher, da liberdade de pensamento e de expressão, do sindicalismo e da liberdade sexual, moldou, pela defesa destas causas, o contexto histórico de alguns dos debates políticos e sociais do nosso tempo. Em Viver a Minha Vida, a autobiografia da autora, Emma Goldman exila-se aos 16 anos nos Estados Unidos e rapidamente mergulha no seu mar político e intelectual. Este vertiginoso fresco histórico, onde tantas figuras revolucionárias americanas se cruzam, é uma poderosa obra de rara sensibilidade e uma das mais belas odes à liberdade.
“A Aparência das Coisas – Ensaios e Artigos Escolhidos” | John Berger
Data de lançamento: 5 Abril
Obra que reúne alguns dos ensaios mais brilhantes e incisivos de John Berger, escritos na década de 60. Mescla de artigos sobre crítica de arte e de textos de teor político, A Aparência das Coisas abarca reflexões sobre Walter Benjamin, Le Corbusier, Camille Corot, Che Guevara, entre outros. Destacam-se neste colectânea, também, as reflexões sobre a Primavera de Praga e o ensaio «A Natureza das Manifestações de Massas», formando o conjunto uma das melhores introduções à escrita ensaística de John Berger.
“En Avant Dada – Uma História do Dadaísmo” | Richard Huelsenbeck
Data de lançamento: 19 Abril
Em En avant Dada (1920), Richard Huelsenbeck – co-fundador do Cabaret Voltaire em 1916, figura central do dadaísmo, cronista da vanguarda e autor de vários artigos, panfletos e poemas que contribuiriam para a disseminação do espírito DADA – traça a história do movimento dada. Uma história parcial e polémica, por um dos seus principais intervenientes, e, neste sentido, plenamente dadaísta.
“Laocoonte ou sobre as Fronteiras da Pintura e Poesia” | G.E. Lessing
Data de lançamento: 3 Maio
Laocoonte ou sobre as Fronteiras da Pintura e Poesia (1766) é um texto essencial da teoria estética e um clássico sobre a natureza da pintura e da poesia, os seus limites, esferas e especificidades. Contestando o ut pictura poesis e visando a libertação das artes desta premissa, o seu impacto manteve-se até aos nossos dias, tendo sido recuperada nomeadamente por Eisenstein e Greenberg.
“As Transformações do Homem” | Lewis Mumford
Data de lançamento: 14 Junho
Depois da publicação de Técnica e Civilização, a Antígona dará à estampa As Transformações do Homem (1956), obra premonitória sobre a evolução humana exposta à tecnologia, e ao progresso sem consciência, analisando a humanização e os perigos que a ameaçam: a regressão histórica da humanidade ao sabor dos seus instrumentos, a crescente irracionalidade do homem proporcional à galopante racionalização de métodos de produção.
Reedições
“A Sociedade do Espectáculo” | Guy Debord
Data de lançamento: Já nas livrarias
A Sociedade do Espectáculo (1967) é a obra filosófica e política mais famosa de Guy Debord e uma análise impiedosa da invasão de todos os aspectos do quotidiano pelo capitalismo moderno. O espectáculo, «uma droga para escravos» que empobrece a verdadeira qualidade da vida, é apontado pelo autor como uma imagem invertida da sociedade desejável, na qual as relações entre as mercadorias suplantaram os laços que unem as pessoas, conferindo-se a primazia à identificação passiva, em detrimento da genuína actividade. Para Debord, «quanto mais [o espectador] aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo».
“Porque Escrevo e Outros Ensaios” | George Orwell
Data de lançamento: 8 Fevereiro
Esta antologia reúne uma amostra dos muitos ensaios escritos por Orwell – alguns, trabalhos curtos, de apenas duas páginas, outros de maior fôlego, que chegaram a ser publicados em livro. São textos que abordam temas políticos, literários e não só, publicados em revistas e jornais, servidos por uma prosa magistral: «Porque Escrevo», «A Política e a Língua Inglesa», «Verdade Histórica», «Linguagem Religiosa», «As Fronteiras entre a Arte e a Propaganda», «Literatura e Totalitarismo», «Um Enforcamento» e «O Leão e o Unicórnio: o Socialismo e o Génio Inglês».
“Solaris” | Stanisław Lem
Data de lançamento: 22 Fevereiro
No centenário do nascimento de Stanisław Lem, a Antígona reedita Solaris (1961), uma das obras de ficção científica mais complexas e filosóficas. Publicada em Varsóvia, em pleno regime comunista, e adaptada ao cinema por Andrei Tarkovski, em 1972, e Steven Soderbergh, em 2002, a intriga de Solaris é dominada por um imenso e enigmático oceano planetário, capaz de controlar as emoções e as memórias de exploradores à beira da loucura, isolados numa estação espacial. Neste romance psicológico sobre a incomunicabilidade, a angústia face ao insondável e a incapacidade humana de lidar com o desconhecido sem causar destruição, Stanisław Lem leva-nos a um planeta distante para revelar os eternos abismos e buracos negros da alma.
“O Livro dos Abraços” | Eduardo Galeano
Data de lançamento: 22 Fevereiro
Escrito no exílio e ilustrado pelo autor, O Livro dos Abraços reúne memórias e sonhos, fábulas que entrelaçam o real e o fantástico, crónicas indeléveis das trivialidades, das gentes e dos seus costumes, da política e dos seus mártires, do amor, da guerra e da paz. Fragmentos que celebram a diversidade, têm na memória do autor o seu fio condutor: «Recordar: do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração.» Com uma extraordinária capacidade descritiva e um comovente pendor poético, escrevendo numa simplicidade desarmante, Eduardo Galeano dá voz aos amordaçados e estende um longo abraço aos resistentes – amaldiçoados pela economia, afugentados pela polícia, esquecidos pela cultura. O Livro dos Abraços é uma história alternativa da América Latina contada pelo mestre da narrativa breve, numa síntese inspirada do seu imaginário.
“O Caminho para Wigan Pier” | George Orwell
Data de lançamento: 8 Março
A caminho de Wigan Pier, George Orwell infiltra-se como a água da chuva e o frio por entre as brechas das casas degradadas na vida das comunidades de mineiros do Lancashire, descendo com estes homens desesperançados às minas e às catacumbas da existência humana. Orwell assume assim a sua origem nobre, não por ser essa a sua condição social e a origem da sua educação, mas porque conseguiu sob a negrura da pele alheia encontrar-se a si mesmo, o que afinal também se verifica a seguir quando aborda a embaraçosa questão da elevada taxa de desemprego e as consequentes miserandas condições de vida. A partir daí e já na segunda parte do livro, como uma consequência natural da experiência anterior, uma luz depois de um longo e escuro corredor subterrâneo, Orwell avança com as suas ideias ou ideais sobre o socialismo sobre a forma crítica como este poderia ser aplicado e subsidiar a construção de outro mundo longe do futuro previsto em 1984.
“Mandriões no Vale Fértil” | Albert Cossery
Data de lançamento: 5 Abril
Por que razão deverá uma pessoa trabalhar, podendo evitá-lo? É nesta interrogação oriental que se alicerça toda a obra de Cossery. Mandriões no Vale Fértil (1947) é o romance em que o autor dedica ao seu tema predilecto – o ódio sarcástico ao trabalho – uma maior amplitude filosófica. A mandriice, longe de ser um defeito, é cultivada como uma flor rara e preciosa pelas personagens deste livro. Numa vivenda a pedir obras, nos arredores de uma grande cidade egípcia, mora uma família singular: um ancião, os seus três filhos e um tio que ali encontrou refúgio depois de ter delapidado toda a fortuna. Convictos de que o trabalho engendra apenas a desordem e a desgraça, descobrem que manter a doce sonolência que reina em casa é, afinal, uma árdua tarefa.
“O Direito à Preguiça” | Paul Lafargue
Data de lançamento: 28 Junho
No século XIX, quando já os santos do capitalismo se alinhavam no firmamento da economia, Paul Lafargue aprimorava na prisão, com muita ironia, este ensaio clássico e iconoclasta. Debruçando-se sobre a devoção ao trabalho que arrebatara os operários da época, o autor punha em causa a universalidade e a historicidade deste absurdo zelo, numa sociedade em que o indivíduo se abstinha do seu tempo livre em nome da sobreprodução e da acumulação obsessiva. Leitura imprescindível nos tempos que correm, O Direito à Preguiça é um eloquente manifesto contra o vício do trabalho, que corrompe as faculdades humanas, e em defesa da liberdade fundamental de empregarmos o tempo a nosso bel-prazer.
Sem Comentários