Em 2022, com o selo da G. Floy, chegou às livrarias “Reckless” (G. Floy, 2022), o resultado de uma parceria entre Ed Brubaker e Sean Phillips – criadores de monumentos como Criminal, Fatale, Kill Or Be Killed e Pulp. Neste cartão-de-visita, saltavam à vista as cores vivas – (boa) culpa de Jacob Phillips -, com um amarelo que nos fazia olhar à volta à procura dos óculos de sol, ou o traço grosso dos desenhos, que realçava ainda mais o lado cinemático deste primeiro número da série Reckless – um pouco como acontecia já com Criminal, de quem a G. Floy publicou uns bons volumes.
No centro de tudo esté Ethan Reckless, um tipo a quem se liga quando surge um problema comichoso, deixando num número alternativo ao 112 uma mensagem de voz no gravador. Se a história for boa, “aparece um tipo qualquer e consegue resolver-nos esse problema”. Se não for, a vida segue como dantes.
A vida de Ethan é daquelas que daria pelo menos um filme. Foi agente infiltrado do FBI, isto antes do rebentamento de uma bomba que lhe tirou muito de si, e que faz com que apenas se lembre das memórias mas não das sensações. A sua base de operações, que tanto serve de escritório secreto como de casa blindada, é um cinema abandonado ainda funcional, que Ethan recusa abrir ao público. Um livro que ofereceu ao leitor tudo aquilo a que tinha direito: drogas, crime, homicídios, diálogos com fel, ruas ensolaradas e algumas boas reviravoltas, num policial noir protagonizado por um tipo que, vai-se a ver, tem algumas parecenças com o Robert Redford se este tivesse envelhecido sem recurso a plásticas.
“Amigo do Diabo” (G. Floy, 2023) é o capítulo que se segue – o 2º – de Reckless, e mantém uma escrita confessional que agarra desde a primeira linha: “Quando penso nos meados dos anos 80, vêm-me à cabeça as drogas rascas… e a música que nunca imaginei que teríamos de ouvir o resto das nossas vidas. Grandes cabeleiras e teclados barulhentos. Caixas de ritmos. Depeche Mode, Duran Duran… a música da cocaína e das promessas vazias”.
Estamos em 1985, e a vida até que nem corre mal a Ethan, que tem como missão actual investigar a vida de Richard Fuller. Um tipo que, aos 45 anos, se terá atirado borda fora de um navio deixando para trás um bilhete de suicídio, mas que alguém disse ter visto recentemente atrelado a uma loira. O cenário de acalmia muda com a entrada em cena de Linh Tran, a bibliotecária de serviço, que quer que Ethan descubra o paradeiro de uma irmã desaparecida, que Reckless verá depois num velho filme de baixo orçamento dos anos 70. Para Ethan, o prenúncio de queda é quase uma certeza: “Às vezes, parece que andamos a tentar voltar a alguma coisa… Encontrar algum momento perdido, onde tudo parecia certo, para acabarmos envolvidos nele”.
Uma história onde descobrimos, a cada metro quadrado, skinheads, seitas religiosas, cultos satânicos ou filmes manhosos, mas também a receita para passar por alguém das finanças: “Só tens de meter o cabelo para trás e fazer cara feia”. Fica ainda a promessa deixada por Ed Brubaker num sumarento posfácio: “Voltaremos em breve com o próximo volume de Reckless, com um tipo de caso totalmente diferente destes dois primeiros”. Mal podemos esperar.
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